Teoria de Controle Aplicada a Conversores Estáticos

Como vimos no artigo sobre a modelagem dinâmica do conversor Buck, existe a necessidade da implementação de um sistema de controle em malha fechada para corrigir o erro em regime permanente e para melhorar a resposta dinâmica do conversor. Sendo assim, este artigo tem como objetivo apresentar um pouco da teoria de controle aplicada na área da Eletrônica de Potência.

Basicamente, existem dois controladores lineares muito utilizados em aplicações de conversores estáticos de potência: o Proporcional-Integral (PI) e o Proporcional + Ressonante (PR). Por agora, vamos nos ater apenas ao PI, pois é o mais comum e simples de compreender.

Introdução

Um sistema qualquer em malha fechada pode ser representado pelo diagrama de blocos da Figura 1, onde G(s) equivale à função de transferência do conversor (ou de uma planta industrial, por exemplo) e H(s) representa a função de transferência da realimentação, que resulta dos circuitos de condicionamento.

Figura 1. Diagrama de blocos de um sistema em malha fechada.

Denomina-se Função de Transferência de Laço Aberto Não Compensada, FTLANC(s), o ganho equivalente da multiplicação em cascata das funções de transferência contidas no laço, conforme

FTLA_{NC}(s) = G(s)\cdot H(s) (1)

Na maioria dos casos, o comportamento da FTLANC(s) não é adequado do ponto de vista estático ou dinâmico. Nesse caso, adiciona-se um controlador (ou compensador) para ajustar a resposta do sistema, de acordo com os parâmetros de projeto desejados. A Figura 2 mostra o diagrama de blocos com a presença do compensador, definido pela função de transferência C(s).

Figura 2. Diagrama de blocos do sistema com a presença do controlador.

Calculando novamente o ganho do laço do sistema, obtém-se a expressão (2) que descreve a Função de Transferência de Laço Aberto Compensada, FTLAC(s).

FTLA_C(s) = C(s)\cdot G(s)\cdot H(s) = C(s)\cdot FTLA_{NC}(s) (2)

O projeto do controlador pode ser realizado a partir do lugar das raízes, ou utilizando a resposta em frequência do sistema, por meio do diagrama de Bode. Na Eletrônica de Potência é comum utilizar a segunda opção, visto que esta nos dá uma interpretação mais clara na escolha dos parâmetros de projeto. Sendo assim, na seção seguinte será feita um breve revisão a respeito da resposta em frequência, a fim de facilitar o entendimento dos próximos passos.

Resposta em Frequência

A técnica de resposta em frequência consiste em aplicar sinais senoidais na entrada de um sistema e observar sua resposta resultante em regime permanente. Uma vantagem desse método é que podemos utilizar os dados obtidos diretamente a partir de medições feitas nos sistemas físicos, sem a necessidade de recorrermos aos modelos matemáticos [1].

Para obter a resposta em frequência de um sistema, considere o diagrama da Figura 3, o qual representa um sistema linear, estável e invariante no tempo, cuja função de transferência é G(s). A entrada e a saída são designadas por r(t) e y(t), respectivamente. Se a entrada for um sinal senoidal, a saída em regime permanente também será um sinal senoidal com a mesma frequência, mas possivelmente o módulo e o ângulo de fase serão diferentes [1-3].

(Se você nunca estudou teoria de controle antes, mas deseja entender melhor a técnica de resposta em frequência, recomendo assistir este vídeo aqui◄).

Figura 3. Sistema linear, estável e invariante no tempo.

A função de transferência que descreve o comportamento senoidal do sistema em regime permanente pode ser obtida, simplesmente substituindo s  por j\omega  na função de transferência G(s). Isso significa que a função de transferência resultante é uma função da variável complexa j\omega  e, portanto, possui uma magnitude e um ângulo de fase. Esses dois parâmetros são facilmente representados em gráficos (os famosos diagramas de Bode) que propiciam uma percepção global importante para análise e projeto dos controladores [3].

Com base na premissa anterior, podemos descrever G(s) no domínio da frequência pela seguinte relação:

G(j\omega) = G(s)|_{s=j\omega} = R(\omega) + jX(\omega) (3)

onde R(\omega) representa a parte real de G(j\omega) e X(\omega) a parte imaginária.

Alternativamente, podemos representar a função de transferência por uma magnitude |G(j\omega)| e por uma fase \phi(w), conforme (4).

G(j\omega) = |G(j\omega)|\cdot e^{j\phi(\omega)} = |G(j\omega)|\angle \phi(\omega) (4)

em que

\phi(\omega) = \text{tan}^{-1}\left[\frac{X(\omega)}{R(\omega)}\right] |G(j\omega)| = \sqrt{R(\omega)^2 + X(\omega)^2}

Diagrama de Bode

A representação gráfica por meio do diagrama de Bode, difundida por H. W. Bode, é determinada a partir da equação (4). Dessa forma, obtém-se dois gráficos: um que relaciona o logaritmo da magnitude com a frequência, segundo (5), e o outro que relaciona o ângulo de fase com a frequência.

\text{Ganho Logar{\'i}tmico} = 20\cdot log\left(|G(j\omega)|\right) (5)
O diagrama de Bode possibilita:
  • Determinar como o sistema se comporta para diferentes frequências;
  • Encontrar as propriedades de estabilidade para o sistema em malha fechada;
  • Projetar os controladores capazes de garantir a resposta desejada para o sistema em malha fechada.

A Figura 4 mostra um exemplo ilustrativo de um diagrama de Bode. Nele destaquei quatro especificações importantes para o projeto do controlador, são elas:

i. Frequência de cruzamento (\omega_c):

É a frequência na qual o ganho é unitário (ou 0 dB). Em malha fechada, o sistema filtra os sinais cujas frequências são maiores do que a frequência de cruzamento e transmite os sinais com frequências menores.

ii. Margem de Fase (MF):

É o atraso de fase adicional na frequência de cruzamento de ganho, necessário para levar o sistema ao limiar da instabilidade.

MF = 180^\circ + \angle G(j\omega_c) (6)
iii. Margem de Ganho (MG):

A margem de ganho é o recíproco do módulo, na frequência onde o ângulo de fase é -180°. Ou seja, é o ganho adicional (nessa frequência específica) necessário para levar o sistema ao limiar da instabilidade.

iv. Banda Passante (ou Largura de Faixa):

De forma simplificada, corresponde ao intervalo no qual o ganho de malha fechada não caiu abaixo de 0 dB. De acordo com [1], a banda passante é caracterizada pela capacidade de reproduzir o sinal de entrada e pelas características de filtragem de ruídos de alta frequência. Uma banda passante larga corresponde a um tempo de subida curto ou resposta rápida. De modo geral, pode-se dizer que a banda passante é proporcional à rapidez de resposta do sistema.

Figura 4. Exemplo ilustrativo de um diagrama de Bode.

É importante salientar que para um sistema ser estável, tanto a margem de fase quanto a margem de ganho devem ser positivas. Nesse contexto, margem negativa indica instabilidade. Para um desempenho satisfatório, recomenda-se uma margem de fase entre de 45° e 90° e uma margem de ganho acima de 6 dB [4].

Obtenção dos Parâmetros do Controlador PI

Agora que já sabemos do que se trata a técnica da resposta em frequência, podemos reescrever (2) da seguinte forma:

FTLA_C(j\omega) = C(j\omega)\cdot FTLA_{NC}(j\omega) (7)

Sendo (7) uma função complexa, é possível representá-la em termos de sua magnitude e fase, ou seja:

|FTLA_C(j\omega)|= |C(j\omega)|\cdot|FTLA_{NC}(j\omega)| (8)
\angle FTLA_C(j\omega) = \angle C(j\omega)+\angle FTLA_{NC}(j\omega) (9)

Adicionalmente, sabendo que o ganho na frequência de cruzamento (\omega_c) é unitário e que a margem de fase (MF) é dada por (6), podemos deduzir o ganho e o ângulo de fase do controlador segundo (10) e (11), respectivamente.

|FTLA_C(j\omega_c)|= 1 \to |C(j\omega_c)| = \frac{1}{|FTLA_{NC}(j\omega_c)|} (10)
MF = 180^\circ + \angle FTLA_C(j\omega_c) \to (11)

\to \angle C(j\omega_c) = MF - 180^\circ - \angle FTLA_{NC}(j\omega_c)

Vale destacar que as duas equações anteriores são genéricas e valem para qualquer controlador, bastando substituir C(j\omega_c) pela função de transferência do controlador escolhido [5]. No caso do PI, sua função de transferência pode ser representada por (12), onde K_c corresponde ao ganho proporcional e \omega_z é a frequência do zero inserido pelo controlador.

C(s) = K_c \cdot \left(\frac{s + \omega_z}{s}\right) (12)

Aplicando-se s = j\omega e tomando-se a magnitude e fase do resultado obtido, tem-se:

|C(j\omega)| = \frac{K_c\cdot \sqrt{\omega^2+\omega_z^2}}{\omega} (13)
\angle C(j\omega) = \text{tan}\left(\frac{\omega}{\omega_z} \right) - 90^\circ (14)

Por fim, substituindo-se (13) e (14) em (10) e (11), chega-se nas expressões desejadas para o cálculo dos parâmetros do controlador PI, conforme:

\boxed{K_c = \frac{\omega_c}{\sqrt{\omega_c^2+\omega_z^2}}\cdot \frac{1}{|FTLA_{NC}(j\omega_c)|} } (15)
\boxed{\omega_z = \frac{\omega_c}{\text{tan}\left[MF - 90^\circ - \angle FTLA_{NC}(j\omega_c) \right]}} (16)

Como se verifica em (15) e (16), basta conhecer a função de transferência de laço aberto do sistema e escolher os parâmetros de projeto, que são a margem de fase (MF) e a frequência de cruzamento (\omega_c), para projetar adequadamente o controlador.

É importante lembrar que a margem de fase está relacionada à estabilidade do sistema. Valores reduzidos de MF podem levar o sistema à instabilidade, caso haja alguma variação paramétrica significativa nos componentes. Por outro lado, uma margem de fase muito elevada implica numa resposta mais lenta, logo existe aqui um conflito de escolhas (trade-off) e cabe ao projetista definir a melhor opção.

A frequência de cruzamento, por sua vez, está diretamente relacionada à rapidez da resposta transitória e à banda passante do sistema. Nesse caso, é comum adotar o limite máximo da frequência de cruzamento uma década abaixo da frequência de chaveamento, a fim de filtrar efetivamente os ruídos de alta frequência.

Conclusão

Este artigo teve como objetivo apresentar a teoria de controle utilizada no projeto de um compensador do tipo PI para aplicações na área da Eletrônica de Potência. A partir das expressões obtidas ao final do texto é possível dimensionar diversos sistemas de controle, como veremos em artigos futuros. Mas já adiantando, no próximo artigo ensinarei como aplicar esses conceitos para projetar o controlador do conversor Buck estudado nos artigos anteriores.

Referências

[1] K. Ogata. “Engenharia de Controle Moderno”. 5ª ed. 2010.

[2] N. S. Nise. “Engenharia de Sistema de Controle”. 3ª ed. 2002.

[3] R. C. Dorf e R. H. Bishop. “Sistemas de Controle Modernos”. 8ª ed. 2001.

[4] I. Barbi. “Projetos de Fontes Chaveadas”. Edição do Autor, 3ª ed. 2014.

[5] R. F. Coelho. “Procedimento para cálculo dos parâmetros do compensador Proporcional-Integral e do compensador Proporcional-Ressonante”, Publicação Interna, UFSC-INEP.

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