A Importância das Técnicas de Anti-Ilhamento em Sistemas Fotovoltaicos

Nos artigos anteriores sobre sistemas fotovoltaicos (FV) foram abordadas as principais topologias de inversores, as estratégias de controle, as técnicas de MPPT e as técnicas de sincronismo com a rede elétrica. Se você ainda não leu esses materiais, vou deixar os links aqui embaixo:

Dando continuidade ao assunto, o artigo de hoje visa abordar a importância das técnicas de anti-ilhamento em sistemas FV. Assim como a técnica de sincronismo, o anti-ilhamento é essencial para uma operação segura do inversor conectado à rede. Mas antes de partimos para as técnicas em si, eu quero explicar o que é a condição de ilhamento e porque é tão importante detectá-la. Vamos nessa!

O que é ilhamento em sistemas fotovoltaicos on-grid?

O ilhamento é a condição na qual o sistema FV continua fornecendo energia para as cargas locais, mesmo que a rede elétrica esteja ausente. Ou seja, o sistema além de suprir as cargas especificadas para o mesmo, fornece energia para as demais cargas conectadas à rede, resultando em problemas operacionais devido ao desequilíbrio de potência [1]. Para compreender melhor esse fenômeno é importante analisar o fluxo de potência entre o sistema FV, a carga local e a rede elétrica, tomando como base o diagrama da Figura 1.

Representação do fluxo de potência entre o sistema de geração fotovoltaico, a carga local e a rede elétrica.
Figura 1. Representação do fluxo de potência entre o sistema de geração fotovoltaico, a carga local e a rede elétrica, conectados por meio do Ponto Comum de Conexão (PCC).

Quando a rede elétrica é desconectada, o comportamento dinâmico do sistema dependerá da relação entre a carga e a potência gerada. Isso porque o conversor é tipicamente controlado para injetar potência ativa constante na rede (sem observar a carga local), deixando a rede responsável por manter o equilíbrio [2]. Sendo assim, se houver mais potência ativa gerada do que demandada, a tensão se eleva e o oposto também se verifica, como podemos ver na Figura 2.

Efeitos na tensão do inversor após o ilhamento.
Figura 2. Efeitos na tensão do inversor após o ilhamento [1].

Além disso, para que a potência reativa permaneça nula após a desconexão da rede, a frequência da tensão de saída do inversor tende a variar levando a carga à ressonância. Nesse sentido, se a carga ressona em uma frequência próxima da frequência da rede elétrica, o inversor não será capaz de detectar que a rede foi removida (ver Figura 2-c). Esta situação é conhecida como condição de ilhamento e corresponde à Zona de Não Detecção (ZND) do inversor [3].

Por que é necessário detectar o ilhamento?

Embora a probabilidade de ocorrência de uma condição de ilhamento seja extremamente baixa, normas que versam sobre a interconexão de sistemas fotovoltaicos à rede requerem técnicas eficazes para detectar o ilhamento, devido a diversos problemas resultantes [1].

Um desses problemas é que a maioria dos conversores aplicados em sistemas de geração fotovoltaica on-grid não são projetados para controlar a tensão e a frequência, ficando estas a cargo da rede elétrica. Por isso, o conversor perde a referência quando a rede é desconectada, podendo variar esses parâmetros e, consequentemente, danificar os equipamentos conectados à ilha.

Outro motivo é o surgimento de severos transientes no momento do religamento da rede elétrica com a ilha energizada, uma vez que as tensões não estarão sincronizadas. Além disso, qualquer técnico que vá realizar a manutenção nas linhas do SEP (Sistema Elétrico de Potência) corre risco de vida, se a ilha estiver energizada [4].

As Técnicas de Anti-ilhamento

Devido à necessidade clara de detecção do ilhamento, diversas técnicas de anti-ilhamento têm sido propostas na literatura [1],[5]-[8]. Em suma, estas são divididas em remotas e locais. As técnicas locais ainda são classificadas como passivas ou ativas, conforme mostra a Figura 3

Classificação das técnicas de anti-ilhamento.
Figura 3. Classificação das técnicas de anti-ilhamento.

Os principais parâmetros usados para avaliar a qualidade das técnicas estão relacionados com o tempo para detecção, com os distúrbios causados na rede e com o custo de implementação [2]. Outro parâmetro muito importante diz respeito à Zona de Não Detecção, representada graficamente na Figura 4.

Esse tipo de gráfico fornece uma indicação da variação de potência ativa e reativa no momento do ilhamento. Por meio desse parâmetro também é possível medir a eficiência da técnica de anti-ilhamento. Em outras palavras, quanto maior a área da ZND menos eficiente é a técnica, visto que será necessária uma variação de potência muito grande para detectar o ilhamento. Da mesma forma, uma área menor ou até mesmo nula indica técnicas altamente eficientes e, portanto, portadoras de maior confiabilidade e segurança [6].

Representação gráfica da Zona de Não Detecção (ZND).
Figura 4. Representação gráfica da Zona de Não Detecção (ZND) [6].

Técnicas Passivas de Anti-Ilhamento

As técnicas passivas monitoram os parâmetros da rede elétrica, usualmente a tensão e a frequência, e desconectam o inversor quando estes ultrapassam os limites preestabelecidos por norma [5],[6]. As principais vantagens dessas técnicas são a facilidade de implementação e o fato de não distorcerem a corrente de saída. No entanto, a sua eficiência é baixa devido à grande área da ZND.

Dessa forma, é preferível usar uma estratégia híbrida que alia uma técnica ativa com as técnicas passivas de detecção de sobre/subfrequência (OUF – Over/Under Frequency) e de sobre/subtensão (OUV – Over/Under Voltage). Na verdade, as técnicas OUF e OUV são essenciais em qualquer inversor on-grid para garantir que o sistema pare de injetar potência na rede, quando a amplitude da tensão ou a frequência no PCC exceder os limites preestabelecidos.

Além das técnicas OUF e OUV, existem ainda as técnicas passivas de Detecção por Salto de Fase de Tensão (PJD – Phase Jump Detection) e de Monitoramento de Harmônicos na Corrente e na Tensão [5],[6]. Ambas podem ser implementadas a partir de uma segunda malha de controle PLL projetada para monitorar a frequência, a fase e a amplitude da tensão [5].

Técnicas Ativas de Anti-Ilhamento

As técnicas ativas são caracterizadas por trabalharem com a lógica perturba e observa (P&O), ou seja, elas injetam intencionalmente pequenas perturbações na rede elétrica e observam a resposta para determinar se o ilhamento foi formado [1],[8]. Caso ocorra alguma alteração na frequência, tensão ou nos parâmetros de impedância após a perturbação, assume-se que a rede foi desconectada.

As principais técnicas ativas de anti-ilhamento são:

  • Deslocamento de Frequência;
  • Desvio Ativo de Frequência (AFD);
  • Deslocamento de Frequência no Modo Deslizamento (SMS);
  • Medição de Impedância;
  • Método SANDIA de Deslocamento de Frequência (SFS);
  • Método SANDIA de Deslocamento de Tensão (SVS).

Essas técnicas têm a vantagem de reduzir notavelmente ou até mesmo eliminar a ZND. No entanto, podem deteriorar a qualidade da corrente de saída do inversor e até gerar instabilidade na rede, principalmente se mais inversores forem conectados em paralelo [7],[8].

Técnicas Remotas de Anti-Ilhamento

As técnicas remotas permitem que a detecção do ilhamento seja feita pela própria concessionária de energia. E como vocês podem imaginar, isso exige algum tipo de comunicação entre a rede e o sistema de geração distribuída, o que normalmente é feito utilizando uma das seguintes técnicas [4]:

  • Inserção de Impedância;
  • PLCC – Power line carrier communications;
  • SCADA – Supervisory control and data acquisition.

É importante destacar que as técnicas de detecção remota superam os problemas das técnicas locais, pois são independentes do balanço de potência local, não injetam perturbações na rede e podem ser adaptadas para diferentes cenários de operação. Por outro lado, dois aspectos críticos também devem ser destacados: tempo de reposta e custos elevados [8].

Resumão das Técnicas de Anti-Ilhamento

A Tabela 1 apresenta uma comparação entre as técnicas de anti-ilhamento nos quesitos confiabilidade, tempo para detecção, impacto na rede elétrica, custo e adaptabilidade às características da rede. Nesse sentido, fica claro que a técnica remota se destaca por ser a mais confiável, não depender das características da rede e não causar impacto na qualidade de energia. Apesar disso, ainda são dispendiosas econômica e tecnicamente.

Comparação das técnicas de anti-ilhamento.
Tabela 1. Comparação das técnicas de anti-ilhamento [8].

Em contrapartida, as técnicas passivas não são eficazes para determinar o efeito do ilhamento. Logo, a melhor solução é usar a estratégia híbrida que alia uma técnica ativa com as técnicas passivas de OUF e OUV, já que estas últimas são mandatórias em qualquer inversor FV on-grid.

Dentre as técnicas ativas, a SMS se destaca por apresentar um tempo relativamente baixo para detecção, baixo distúrbio na rede e maior simplicidade de implementação [1]. Essa técnica utiliza realimentação positiva para desestabilizar o conversor no momento do ilhamento. Dessa forma, a frequência presente na ilha é deslocada até que as proteções passivas de frequência atuem, desconectando o inversor da rede. Recomendo a leitura da referência [1], caso você queria entender melhor como essa técnica é implementada.

Referências

[1] M. A. G. de Brito, et al. “Estratégias de anti-ilhamento aplicadas a sistemas de geração distribuída fotovoltaica.” Eletrônica de Potência 23.2 (2018): 226-234.

[2] L. Galotto Jr. “Inversores Integrados Monofásicos Aplicados em Sistemas Fotovoltaicos com Conexão à Rede de Distribuição de Energia Elétrica.” Tese de Doutorado – Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira, 2011.

[3] A. Dumais and S. Kalyanaraman. “Grid-Connected Solar Microinverter Reference Design.” Application Note – Microchip®, 2012.

[4] W. Bower and M. Ropp. “Evaluation of Islanding Detection Methods for Photovoltaic Uitility-Interactive Power Systems.” Report IEA PVPS T5-09: 2002.

[5] F. Mango, et al. “Overview of Anti-Islanding Algorithms for PV Systems. Part I: Passive Methods”, in Power Electronics and Motion Control Conference, 2006.

[6] L. Severo. “Estudo e Implementação de Métodos de Proteção de Anti-Ilhamento aplicados a Sistemas Fotovoltaicos.” Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.

[7] F. Mango, et al. “Overview of Anti-Islanding Algorithms for PV Systems. Part II: Active Methods”, in Power Electronics and Motion Control Conference, 2006.

[8] A. Etxegarai, P. Eguía, and I. Zamora. “Analysis of remote islanding detection methods for distributed resources.” Int. conf. Renew. Energies power quality. 2011.

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