Modelo Dinâmico do Conversor Buck

Nos artigos anteriores sobre o conversor Buck, eu apresentei detalhadamente a análise estática do circuito visando obter as expressões que permitem dimensionar os componentes. Uma vez projetado o conversor, o próximo passo é obter o seu modelo dinâmico, que nada mais é que um modelo matemático que representa o comportamento dinâmico do conversor diante de perturbações, seja na tensão de entrada, na carga ou na referência.

Basicamente, existem três maneiras de se obter o modelo dinâmico de um determinado conversor: a modelagem por equações diferenciais, por equações em espaço de estados ou por circuito médio equivalente (conhecido como circuit-averaging method no inglês) [1],[2]. Esta última, por sua vez, é a mais simples de compreender, visto que todas as manipulações são feitas diretamente no diagrama do circuito, em vez de utilizar as equações. Desse modo, essa técnica nos dá uma interpretação mais física do modelo e, por isso, será utilizada no decorrer deste artigo. Contudo, vale ressaltar que as demais também serão abordadas em artigos futuros.

Por quê precisamos do Modelo Dinâmico do Conversor?

Antes de iniciarmos a modelagem propriamente dita, é importante compreendermos a verdadeira necessidade de se obter tal modelo. Para isso, vou aproveitar o conversor Buck projetado no primeiro artigo desta série, cujos parâmetros estão resumidos na Tabela 1.

Tabela 1. Principais parâmetros do conversor Buck.

Parâmetros Valores
Tensão de Entrada Vi = 50 V
Tensão de Saída Vo = 20 V
Potência Nominal Po = 100 W
Frequência de Chaveamento fs = 20 kHz
Indutância de Saída Lo = 1,2 mH
Capacitância de Saída Co = 15,6 μF
Resistência de Carga Ro = 4 Ω

A Figura 1 mostra o modelo utilizado para simular o conversor no software PSIM®. Trata-se de um software voltado para a eletrônica de potência, que pode ser baixado na sua versão gratuita ou para estudantes neste link.

Figura 1. Modelo de simulação implementado no software PSIM®.

O objetivo aqui não é explicar como realizar a simulação, mas sim analisar os resultados obtidos. Todavia, alguns aspectos, como o modulador PWM, serão tratados com mais detalhes em outros artigos.

A Figura 2 mostra o comportamento da tensão de saída durante a partida do conversor, considerando-o em malha aberta (i.e. sem controle) e com os parâmetros apresentados na Tabela 1. Observe que a tensão se estabilizou exatamente em 20 V, como esperado. No entanto, se aplicarmos uma variação na tensão da entrada de 50 V para 40 V, após a mesma atingir o regime permanente, obteremos o comportamento representado na Figura 3-a. Nesse caso, nota-se que a tensão de saída não permaneceu mais no valor de projeto após o transitório.

Figura 2. Comportamento da tensão de saída durante a partida do conversor em malha aberta.

Por outro lado, se aplicarmos uma variação na carga de 100% para 50%, obteremos a reposta da Figura 3-b. É possível observar que, após o transitório, a tensão se estabilizou novamente em 20 V. Isso se explica pelo fato do ganho estático no modo de condução contínua não depender da carga. Apesar da tensão retornar para o valor de projeto, é possível verificar um aumento de 11,52 V durante o transitório, o que equivale a uma ultrapassagem (ou overshoot no inglês) de 57,61%.

Figura 3. Comportamento da tensão de saída para: (a) variação da tensão de entrada de 50 V para 40 V em t = 5 ms e (b) variação de 100% para 50% na carga em t = 5 ms.

Com base nos resultados obtidos, podemos concluir que é necessário implementar um sistema de controle em malha fechada para corrigir o erro de regime permanente no primeiro caso e para melhorar a resposta dinâmica no segundo, de modo a diminuir o overshoot durante o transitório.  

Para fins de exemplificação, a Figura 4 mostra o diagrama de blocos do sistema em malha fechada para o controle da tensão de saída do conversor Buck. A modelagem orientada ao controle clássico tem como objetivo a obtenção de funções de transferência por meio da aplicação da transformada de Laplace [1]-[3]. Conforme ilustrado na figura, tanto o controlador quanto o conversor são representados por esses modelos matemáticos no domínio “s” (Cv(s) e Gvd(s) respectivamente). Logo, para projetarmos o controlador, necessitamos da função de transferência que representa o comportamento dinâmico do conversor. E é aqui que entra a importância da modelagem dinâmica.

Figura 4. Exemplo de diagrama de blocos para o controle da tensão de saída em malha fechada.

Para quem nunca ouviu falar de sistemas em malha fechada e projeto de controladores, não se preocupe, pois em um próximo artigo irei explicar passo a passo como isso é feito. Por agora, o importante é compreender que precisamos obter a função de transferência, a partir da modelagem dinâmica do conversor, para que seja possível projetar o controlador.

Obtenção do Modelo Dinâmico do Conversor Buck

O primeiro desafio a ser superado na modelagem de conversores estáticos é a descontinuidade gerada pelo processo de chaveamento. Essa descontinuidade, aliada a outras não linearidades do circuito, impossibilita a aplicação direta das ferramentas utilizadas na análise de circuitos lineares [3]. 

Felizmente, na maioria das vezes, o período de chaveamento é significativamente menor que as constantes de tempo do conversor, o que permite aproximar as grandezas instantâneas por seus valores médios calculados para um período de chaveamento, sem que haja perda de informação relacionada à dinâmica que se deseja controlar [3],[4].

Do ponto de vista da técnica aqui apresentada, essa aproximação implica na substituição dos semicondutores passivos e ativos – que são os verdadeiros elementos não lineares do circuito – por fontes dependentes de tensão ou de corrente [4]. Como veremos a seguir, essa abordagem resulta na obtenção do chamado modelo médio de grandes sinais.

Modelo Médio de Grandes Sinais

O primeiro passo é determinar as formas de onda de corrente ou tensão nos semicondutores do circuito. A escolha do tipo de fonte para substituir tais elementos não importa, mas como experiência própria recomendo substituir os elementos que estão em paralelo por fonte de tensão e os que estão em série por fonte de corrente (isso irá facilitar os cálculos). Sendo assim, a Figura 5 mostra as formas de onda de corrente na chave (iS) e de tensão no diodo (vD), considerando a aproximação por baixa ondulação na corrente do indutor.

Figura 5. Formas de onda simplificadas de corrente e tensão nos semicondutores.

Conforme mencionado anteriormente, para eliminar a descontinuidade, utiliza-se os valores médios das grandezas instantâneas para um período de chaveamento. Esse cálculo já foi apresentado nesse outro artigo, mas não custa repeti-lo aqui por facilidade. Assim, o valor médio de uma grandeza instantânea x, considerando um período de chaveamento, resultada em 〈xTs segundo (1).

\langle x \rangle_{T_s} = \frac{1}{T_s}\int_{0}^{T_s} x dt (1)

Na literatura denomina-se essa ferramenta matemática como operador média móvel, visto que esse cálculo é realizado a cada período, e os valores obtidos são denominados valores médios quase instantâneos [1].

Outra possibilidade é calcular a área sob a forma de onda para um período de chaveamento e dividi-la pelo próprio período. Logo, analisando a Figura 5, e aplicando o operador média móvel nas grandezas, obtemos a corrente média quase instantânea na chave e a tensão média quase instantânea no diodo, dadas por (2) e (3) respectivamente.

\langle i_S \rangle = I_L.d = \langle i_L \rangle.d (2)
\langle v_D \rangle = V_i.d = \langle v_i \rangle.d (3)

Com isso, o modelo médio de grandes sinais do conversor Buck é obtido, simplesmente, substituindo o transistor e o diodo por fontes dependentes de corrente e tensão, cujos valores são definidos por (2) e (3). A Figura 6 ilustra o modelo médio resultante.

Figura 6. Modelo médio de grandes sinais do conversor Buck.

Modelo Médio de Pequenos Sinais (Linear)

Embora o modelo médio de grandes sinais elimine a descontinuidade da corrente e da tensão nos semicondutores, esse modelo ainda não é linear uma vez que as grandezas 〈iL〉, 〈vi〉 e d podem variar no tempo. Dessa forma, a multiplicação entre duas grandezas variáveis resulta numa não linearidade [2].

De forma resumida, a linearização é feita escolhendo-se um ponto de operação de modo que o sistema se torne linear para pequenas variações em torno desse ponto, conforme exemplificado na Figura 7. Por isso, o modelo resultante é denominado modelo médio de pequenos sinais.

Figura 7. Linearização em torno de um ponto de operação

Uma primeira opção para linearização do sistema consiste na expansão das funções não lineares por meio da série de Taylor, tomando-se, posteriormente, apenas os termos lineares. Alternativamente, podemos considerar que o conversor tem comportamento linear em torno de um ponto de operação qualquer X (valor CC), desde que as perturbações \hat{x} (parcela CA) em torno desse ponto sejam suficientemente pequenas [1],[3]. Dessa forma, podemos definir todas as variáveis dinâmicas do sistema pela soma das duas parcelas, conforme (4).

\langle i_S \rangle = I_S + \hat{i}_S
\langle v_D \rangle = V_D + \hat{v}_D
\langle i_L \rangle = I_L + \hat{i}_L (4)
\langle v_i \rangle = V_i + \hat{v}_i
d = D + \hat{d}

Substituindo a linearização descrita em (4) nas variáveis (2) e (3), obtém-se:

I_S + \hat{i}_S = (I_L + \hat{i}_L).(D + \hat{d}) = I_L.D + I_L.\hat{d} + \hat{i}_L.D + \hat{i}_L.\hat{d} (5)
V_D + \hat{v}_D = (V_i + \hat{v}_i).(D + \hat{d}) = V_i.D + V_i.\hat{d} + \hat{v}_i.D + \hat{v}_i.\hat{d} (6)

Observe que nos resultados temos o produto entre duas variáveis CA, como é o caso do produto \hat{i}_L.\hat{d}. Esse termo não é linear, no entanto, partindo-se da premissa de que as perturbações são muito menores em magnitude comparadas aos valores no ponto de operação, podemos desconsiderá-lo pois seu valor é praticamente desprezível em relação a componente CC. Fazendo isso, determinamos (7) e (8).

I_S + \hat{i}_S  = I_L.D + I_L.\hat{d} + \hat{i}_L.D (7)
V_D + \hat{v}_D = V_i.D + V_i.\hat{d} + \hat{v}_i.D (8)

Finalmente, levando as equações (7) e (8) no circuito equivalente da Figura 6, obtemos o modelo bilinear do conversor Buck operando no modo de condução contínua. O termo bilinear se deve ao fato desse modelo representar tanto as grandezas no ponto de operação, quanto as grandezas dinâmicas. Contudo, a fim de facilitar a análise, vamos separar o modelo em outros dois: um para o ponto de operação e outro para pequenos sinais. Para isso, basta separar os termos CC dos termos CA nas equações (7) e (8).

Sabendo que em regime permanente o indutor se comporta como um curto circuito e o capacitor como um circuito aberto, o modelo CC linearizado para o ponto de operação pode ser representado conforme a Figura 8-a. Já o modelo médio de pequenos sinais leva em consideração a dinâmica desses elementos, como representado na Figura 8-b. Note que nesse circuito já foi aplicada a transformada de Laplace visando a obtenção das funções de transferência, como descrito na próxima seção.

Figura 8. (a) modelo CC linearizado para o ponto de operação. (b) modelo linearizado de pequenos sinais CA.

Funções de Transferência

Função de Transferência para o Controle da Tensão de Saída

Em geral, quando queremos controlar a tensão de saída de um conversor CC-CC, necessitamos da função de transferência que relaciona as pequenas variações da tensão de saída \left(\hat{v}_o(s)\right) com as da razão cíclica \left(\hat{d}(s)\right). Isso porque o controlador atua na razão cíclica do modulador PWM de modo a regular a tensão de saída.   

Sabendo disso, podemos simplificar o circuito da Figura 8-b, conforme apresentado na Figura 9, onde a impedância equivalente da saída (Zeq(s)) é dada por (9).

Z_{eq}(s) = \frac{1}{s.C_o}//R_o = \frac{R_o}{R_o.C_o.s + 1} (9)

Figura 9. Circuito equivalente de pequenos sinais simplificado.

Analisando o circuito da Figura 9, observa-se que a tensão de saída pode ser obtida aplicando-se a teoria de divisor de tensão, segundo a expressão (10).

\hat{v}_o(s) = \left[\hat{v}_i(s).D + V_i.\hat{d}(s)\right]\cdot\left[\frac{Z_{eq}(s)}{s.L_o + Z_{eq}(s)}\right] (10)

Assim, 

\hat{v}_o(s) = \frac{V_i}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1}\cdot\hat{d}(s)+\frac{D}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1}\cdot\hat{v}_i(s) (11)

A partir de (11) conclui-se que as variações na tensão de saída não dependem somente das variações na razão cíclica, mas também das variações na tensão de entrada \left(\hat{v}_i(s)\right). No entanto, como o sistema agora é linear, podemos analisar cada perturbação de forma independente. Em razão disso, para obtermos a função de transferência que relaciona a tensão de saída com a tensão de entrada (Gvv(s)), consideramos a razão cíclica constante, i.e. \hat{d}(s) = 0, o que resulta em (12).

\boxed{G_{vv}(s) = \frac{\hat{v}_o(s)}{\hat{v}_i(s)} = \frac{D}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1}} (12)

Por outro lado, considerando a tensão de entrada constante, determina-se a função de transferência que relaciona as variações na tensão de saída com a razão cíclica (Gvd(s)), conforme (13).

\boxed{G_{vd}(s) = \frac{\hat{v}_o(s)}{\hat{d}(s)} = \frac{V_i}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1}} (13)

Função de Transferência para o Controle da Corrente no Indutor

Aproveitando o mesmo circuito da Figura 9, podemos determinar a função de transferência para o controle da corrente no indutor a partir da razão cíclica. Para isso, vamos considerar a tensão de entrada constante, o que permite escrever:

\hat{i}_L(s) = \frac{V_i.\hat{d}(s)}{s.L_o+Z_eq(s)} = \frac{V_i.\hat{d}(s).\left(C_o.s+\frac{1}{R_o}\right)}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1} (14)

Logo, a função de transferência que relaciona as perturbações de pequenos sinais da corrente no indutor com a razão cíclica (Gid(s)) é dada por (15).

\boxed{G_{id}(s) = \frac{\hat{i}_L(s)}{\hat{d}(s)} = \frac{V_i.(C_o.s+\frac{1}{R_o})}{L_o.C_o.s^2+\frac{L_o}{R_o}\cdot s+1}} (15)

Validação dos Modelos

De modo a validar as funções de transferência obtidas na seção anterior, utilizou-se novamente o software de simulação PSIM®, considerando os parâmetros da Tabela 1. Conforme apresentado na Figura 10, os coeficientes resultantes das funções de transferência Gvd(s) e Gid(s) foram inseridos no circuito de simulação por meio do bloco H(s). Assim, partindo-se do ponto de operação foi aplicada uma variação de 25% na razão cíclica, simultaneamente no modelo chaveado e nos modelos de pequenos sinais. Os resultados para essa perturbação podem ser vistos na Figura 11.

É importante perceber que os modelos teóricos representaram com fidelidade a dinâmica do conversor. Entretanto, observa-se que estes não contém a componente de alta frequência. Isso se deve a utilização do operador média móvel, justamente para eliminar essa descontinuidade provocada pelo processo de chaveamento.

Figura 10. Circuito de simulação usado para validar os modelos de pequenos sinais.

Figura 11. Resultados de comparação entre o modelo chaveado e os modelos de pequenos sinais para um degrau de 25% na razão cíclica.

Para validar a função de transferência Gvv(s) deve-se aplicar a variação na tensão de entrada, mantendo-se a razão cíclica constante no valor de operação. A Figura 12 mostra o resultado para essa simulação, considerando uma variação de 50 para 60 V na tensão de entrada. Verifica-se que o modelo teórico seguiu corretamente o modelo chaveado.

Figura 12. Resposta do modelo chaveado e do modelo teórico para uma variação positiva de 10 V na tensão de entrada.

Conclusão

Ao longo deste artigo, verificamos que a operação de um conversor em malha aberta não é desejável, uma vez que as variações na tensão de entrada influenciam diretamente o valor da tensão de saída, e que as variações na carga provocam sobretensões elevadas na saída. Por esse motivo, torna-se necessário implementar um sistema de controle em malha fechada, o que requer a obtenção do modelo dinâmico do conversor no formato de função de transferência.

Este artigo visou apresentar uma metodologia simples para modelar o conversor Buck operando no modo de condução contínua. De forma resumida, nós determinamos inicialmente o modelo médio de grandes sinais e depois linearizamos o resultado em torno de um ponto de operação. Uma vez linearizado, nós aplicamos a transformada de Laplace ao modelo, a fim de obter as funções de transferência desejadas.  Ao final do artigo, por meio dos software PSIM®, comparamos os modelos obtidos com o modelo real chaveado. Pela semelhança das respostas, podemos concluir que as funções de transferência obtidas são totalmente válidas para perturbações em torno de um ponto de operação.

Referências

[1] ERICKSON, R. W.; MAKSIMOVIC, D. “Fundamentals of Power Electronics”. 2ª Edição, New York, 2004.

[2] KAZIMIERCZUK, M. K. “Pulse-width Modulated DC-DC Power Converters”, Wiley, 2ª Edição, 2008.

[3] BERGER, F. et al. “Metodologia para Modelagem de Conversores utilizando o Circuito Equivalente de Thévenin”. Eletrônica de Potência, Joinville, v. 23, n. 2, p. 151-160, Abr./Jun. 2018.

[4] WESTER, G. W.; MIDDLEBROOK, R.D. “Low-Frequency Characterization of Switched dc-dc Converters”.   IEEE Transactions on Aerospace and Electronic Systems, v. AES-9, n. 3, p. 376-385, Maio 1973.

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