Dois Métodos Simples para Projetar Dissipadores de Calor na Prática

No artigo anterior sobre dissipadores de calor, eu ensinei para que serve um dissipador e como dimensiona-lo corretamente. Com esse conteúdo, você já é capaz de escolher o dissipador de calor que melhor se adeque às necessidades do seu produto ou do seu projeto. No entanto, muitas vezes só queremos testar um protótipo rapidamente e já temos um dissipador em nosso estoque. Agora resta saber se esse dissipador pode ser de fato usado na aplicação em questão. E é exatamente isso que você vai aprender neste artigo, a partir de dois métodos simples. Bora lá!

Método #1

O primeiro método consiste em montar o dissipador de calor exatamente na aplicação que se deseja e, depois, monitorar a temperatura para se certificar de que ela não vai exceder um limite preestabelecido. Por exemplo, vamos considerar um circuito básico com um regulador linear 7805, conforme ilustra a Figura 1-a.

Circuito utilizado para testar dissipadores de calor com base no Método 1.
Figura 1. Circuito utilizado para testar dissipadores de calor com base no Método 1: (a) regulador linear 7805 e (b) circuito térmico simplificado.

A potência dissipada no regulador é calculada pelo produto entre a queda de tensão e a corrente que circula por ele, o que resulta em

P_D = (V_{in} - V_o)\cdot I = (9 - 5)\cdot 0,5 = 2~\text{W} (1)

Com base na potência dissipada e no circuito térmico equivalente (ver Figura 1-b), podemos calcular qual vai ser a temperatura máxima no dissipador de calor para uma dada temperatura de junção (Tj,max), de acordo com

T_{d,max} = T_{j,max} - (R_{jc} + R_{cd})\cdot P_D (2)

onde a resistência térmica entre junção-encapsulamento vale Rjc = 5 °C/W segundo às informações fornecidas no datasheet do componente [1]. Já a resistência térmica entre encapsulamento-dissipador, Rcd, depende de como o componente é fixado no dissipador. Para este exemplo, vou considerar uma resistência térmica de 0,5 °C/W que corresponde à operação com pasta térmica e sem isolação elétrica entre o componente e o dissipador. Cabe mencionar que esse valor pode ser encontrado para outras condições de operação, por meio da tabela apresentada no artigo anterior.

Quanto à temperatura de junção máxima, sugiro considerar um valor igual a 80% daquele fornecido no datasheet, a fim de garantir uma boa margem de segurança. No caso do LM 7805, esse parâmetro vale 125°C e, portanto, vamos considerar Tj,max = 0,8·125 = 100°C. Dessa forma, a temperatura no dissipador de calor deve ser limitada em

T_{d,max} = 100 - (5 + 0,5)\cdot 2 = 89^{\circ}\text{C} (3)

Agora basta montar o circuito na prática e verificar se a temperatura do dissipador fica abaixo de 89°C. Para obter uma análise mais próxima das condições de operação, é importante instalar o dissipador de calor na posição em que ele irá ficar no protótipo final. A Figura 2 mostra o setup utilizado para esse teste, no qual utilizei uma fonte de bancada ajustada em 9 V na entrada do regulador linear e uma carga eletrônica configurada em 500 mA na saída do circuito. Caso você não tenha uma carga eletrônica, é possível utilizar simples resistores ou montar uma com base neste vídeo aqui.

Setup utilizado para testar o dissipador de calor conforme o Método 1.
Figura 2. Setup utilizado para testar o dissipador de calor conforme o Método 1.

Após deixar o circuito funcionando por aproximadamente 30 minutos, a temperatura no dissipador estabilizou em torno de 67°C, como se pode observar na Figura 3. Embora esse valor tenha ficado abaixo do limite máximo permitido, é importante levar em consideração que a temperatura ambiente era de 29°C (ver Figura 2).  Se o regulador linear fosse instalado dentro de um case, onde a temperatura ambiente chegasse a 50°C, por exemplo, observaríamos um acréscimo de 21°C na temperatura do dissipador, chegando assim próximo do limite. Logo, é recomendado considerar uma certa folga devido à temperatura ambiente ou, se possível, testar o dissipador dentro do case.

Temperatura medida no dissipador de calor após 30 minutos em funcionamento.
Figura 3. Temperatura medida no dissipador de calor após 30 minutos em funcionamento.

Método #2

No segundo método vamos estimar a resistência térmica do dissipador de calor. Este método é muito útil quando ainda não temos o protótipo pronto, mas queremos saber de antemão se determinado dissipador de calor poderá ser usado para testá-lo. Para isso, precisamos de um elemento que dissipe calor. Uma das alternativas é utilizar um resistor no encapsulamento TO-220 ou aqueles encapsulados em alumínio que podem ser fixados em dissipadores, como mostra a Figura 4-a.  A outra solução, caso você não tenha esses tipos de resistores, é usar o circuito da Figura 4-b baseado em um transistor BJT. O resistor de base R1, o ganho β do transistor e a tensão da fonte vão determinar qual corrente irá circular pelo componente.

Alternativas para estimar a resistência térmica do dissipador de calor.
Figura 4. Alternativas para estimar a resistência térmica de dissipadores de calor: (a) uso de um resistor TO-220 ou encapsulado em alumínio para ser fixado no dissipador; (b) uso de um transistor BJT configurado para operar em sua região linear dissipando potência.

Para demonstrar esse método na prática, eu optei pela segunda alternativa utilizando um transistor TIP-41 com um resistor de base de 470 Ω. É interessante que a temperatura final no dissipador fique na faixa de 50°C a 60°C aproximadamente, para obtermos uma boa precisão nos cálculos sem comprometer o componente [2]. Assim, comece aplicando uma pequena potência ao transistor (ou resistor) e espere até atingir o equilíbrio térmico. Se o calor gerado for insuficiente para que a temperatura fique na faixa recomendada, aumente a potência e espere mais um pouco.

No meu caso, como demonstrado na Figura 5, precisei aplicar uma potência de 2,75 W (4,1 V × 0,67 A) para obter uma temperatura de 61°C no dissipador, diante de uma temperatura ambiente de 30°C. Com essas informações em mãos, fica fácil calcular a resistência térmica do dissipador. De forma simplificada, esta é definida pela diferença de temperatura sobre o dissipador dividida pela potência dissipada no componente, i.e.,

R_{da} = \frac{T_d - T_a}{P_D} = \frac{61 - 30}{2,75} = 11,27~^{\circ}\text{C/W} (4)
Figura 5. Medições obtidas com o segundo método.

Mas a pergunta que fica é: “Será que esse valor está realmente correto?”. Bom, para verificar isso, eu fiz o processo inverso utilizando um regulador LM 7815. Ou seja, eu calculei qual seria a temperatura nesse dissipador em questão, considerando que a potência dissipada no regulador linear é de 3,24 W e a temperatura ambiente é de 31°C. A temperatura teórica no dissipador pode ser calculada com base em (4), o que resulta em

T_d = R_{da}\cdot P_D + T_a = 11,27\cdot 3,24 + 31 = 67,51^{\circ}\text{C} (5)

A Figura 6 mostra os resultados obtidos na prática, a partir dos quais se observa que a temperatura final no dissipador ficou consideravelmente acima do valor esperado. Isso quer dizer que o método é inválido? Não é bem assim. Acontece que para estimar a resistência térmica do dissipador, nós consideramos o circuito térmico simplificado, o qual assume que todo calor é transferido através do dissipador. Na prática, todavia, existe uma parcela desse calor que é transferida diretamente do encapsulamento para o ambiente.

Temperatura medida no dissipador de calor durante o teste para validação do Método 2.
Figura 6. Temperatura medida no dissipador de calor durante o teste para validação do Método 2.

Dessa forma, para conseguirmos uma estimativa mais próxima da resistência térmica real do dissipador, precisamos considerar o modelo térmico completo, conforme representado na Figura 7. Observe que uma nova resistência térmica foi incluída no modelo para representar a transferência de calor entre encapsulamento-dissipador. Na maioria dos casos, a resistência equivalente do ramo formado por Rcd e Rda é muito menor que Rca, por isso é válido simplificar o modelo. Porém, à medida que esses valores se aproximam, a influência de Rca passa a ser mais relevante.

Modelo térmico equivalente completo.
Figura 7. Modelo térmico equivalente completo.

A potência que é de fato transferida para o dissipador de calor (PD1) pode ser calculada usando a teoria de um divisor de corrente, uma vez que a potência no circuito térmico é análoga a uma corrente elétrica. Fazendo isso, obtemos:

P_{D1} = P_D\cdot \frac{R_{ca}}{R_{ca} + (R_{cd} + R_{da})} (6)

Assim, a diferença de temperatura sobre o dissipador passa a ser calculada por

T_d - T_a = R_{da}\cdot P_{D1} (7)

Substituindo (6) em (7) e manipulando matematicamente o resultado, chegamos na expressão final para estimar a resistência térmica do dissipador de calor, segundo

\boxed{R_{da} = \frac{(R_{ca} + R_{cd})\cdot (T_d - T_a)}{P_D\cdot R_{ca} - (T_d - T_a)}} (8)

O valor da resistência térmica entre encapsulamento e ambiente pode ser obtido por meio do datasheet do componente, subtraindo-se o valor de Rjc do valor de Rja. Para o TIP 41, utilizado durante os testes, temos que Rca = 57 – 1,67 = 55,33 °C/W [3]. Já a resistência térmica entre encapsulamento e dissipador vale 0,5 °C/W, pois o componente também foi fixado com pasta térmica e sem mica. Recalculando a resistência do dissipador com base nesses parâmetros e nos resultados da Figura 5, determinamos

R_{da} = \frac{(55,33 + 0,5)\cdot (61 - 30)}{2,75\cdot 55,33 - (31 - 30)} = 14,29~^{\circ}\text{C/W} (9)

Observe que o resultado de (9) é maior do que aquele obtido em (4). Isso porque, na prática, a potência transferida para o dissipador é menor do que a potência total dissipada no componente. Em outras palavras, o dissipador chegou a 61°C com uma potência menor, o que significa que sua resistência térmica deve ser maior do que o valor calculado com o circuito simplificado.

Para confirmar o resultado obtido, podemos recalcular a temperatura teórica no dissipador com o LM 7815, de acordo com (10). Agora sim temos uma temperatura mais próxima do valor medido na prática.

T_d = R_{da}\cdot P_D + T_a = 14,29\cdot 3,24 + 31 = 77,30^{\circ}\text{C} (10)

Resumindo

Neste artigo, eu apresentei dois métodos que te permitem projetar dissipadores de calor na prática. No primeiro deles, você precisa montar o protótipo e avaliar se a temperatura do dissipador de calor vai ficar abaixo do limite máximo estabelecido. Esse limite é calculado para uma temperatura de junção máxima, segundo a expressão (2). Para garantir uma boa margem de segurança, você pode definir a temperatura de junção máxima como sendo 80% do valor fornecido no datasheet.

O segundo método, por sua vez, é indicado quando o protótipo ainda não está pronto ou não é possível montá-lo no momento. O objetivo desse método é estimar a resistência térmica dos dissipadores de calor através de um teste muito simples. Para isso, você precisa ajustar a potência de um elemento que dissipe calor (um resistor ou um transistor na região linear) para que a temperatura no dissipador estabilize entre 50°C e 60°C. Depois disso, você tem duas opções:

  1. Calcular a resistência térmica do dissipador com base no modelo simplificado e na equação (4). Embora não seja necessário utilizar os dados do componente, a resistência térmica resultará num valor abaixo do real. Em razão disso, você pode acrescentar entre 10% e 30% desse valor para corrigir tal discrepância.
  2. Calcular a resistência térmica do dissipador a partir do modelo completo e da equação (8). Nesse caso, você precisa consultar os parâmetros térmicos no datasheet do componente utilizado para realizar o experimento, em troca de um resultado mais próximo do real.

Vale destacar ainda que, em ambos os métodos, os dissipadores de calor devem ser instalados na posição em que eles serão usados no projeto final, tendo em vista que isso influencia na dissipação do calor. Além disso, no primeiro método não é necessário usar o modelo térmico completo, pois o simplificado irá limitar a temperatura do dissipador em um valor menor, o que aumenta a margem de segurança.

Se ficou com alguma dúvida ou tem uma sugestão a fazer, é só deixar nos comentários que, assim que possível, responderei com todo prazer. O vídeo acima também pode te ajudar a entender melhor o assunto. 

Até o próximo artigo.

Referências

[1] ON Semiconductor. “Voltage Regulators – Positive 1.0 A”. [datasheet]. Disponível em: https://www.onsemi.com/pdf/datasheet/mc7800-d.pdf.

[2] Instituto Newton C. Braga. “Como Funcionam os Dissipadores de Calor (ART1821)”. 

[3] ON Semiconductor. “TIP41 – Complementary Silicon Plastic Power Transistors”. [datasheet]. Disponível em: http://www.farnell.com/datasheets/40034.pdf.

 

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