Diodo de Potência
Dentro da eletrônica de potência, o diodo de potência se destaca por ser o componente de mais simples construção. Esse componente está presente em diversas aplicações dessa grande área da engenharia elétrica, tais como processamento de energia, veículos elétricos, armazenamento de energia, iluminação, entre outras.
Diante disso, faz-se necessário conhecermos o funcionamento básico de um diodo de potência, bem como a metodologia para dimensioná-lo em aplicações de conversores estáticos. E é isso que veremos ao longo deste texto.
Aspecto Construtivo
A maioria dos diodos são compostos primeiramente por silício e, em menor extensão, por germânio. O silício é mais empregado devido a sua característica física semicondutora e sua abundância na Terra. Este material, em sua forma pura possui quatro elétrons na camada de valência, tendo que passar pelo processo de dopagem para se tornar um elemento mais condutor, porém, de maneira controlada.
O silício quando dopado com Boro, o qual possui três elétrons livres na sua camada de valência, torna-se um material com excesso de lacunas, ou seja, um cristal positivo, conhecido como cristal tipo P [3].
A inserção de outro material, por exemplo o Fósforo, que possui cinco elétrons livres em sua camada de valência, torna o silício um material com excesso de elétrons livres, um cristal negativo, conhecido como cristal tipo N. Da união desses dois materiais tipo P (ânodo) e N (cátodo), surge a famosa junção PN característica dos diodos. Como consequência a essa união, ocorre a recombinação de elétrons e lacunas formando a camada de depleção [3], conforme ilustrado na Figura 1. Por este motivo, existe uma tensão mínima a ser aplicada ao diodo para que o mesmo entre em condução, justamente para romper essa barreira.
Figura 1. Junção PN do diodo.
Após esta breve introdução sobre a construção física do diodo, pode-se iniciar o estudo aplicado à eletrônica de potência, onde vamos verificar as características ideais e reais deste componente, bem como sua recuperação reversa e suas perdas.
Característica Estática do Diodo Ideal
A característica tensão-corrente do diodo ideal está representada na Figura 2. Nota-se que para tensões VF > 0 (o que caracteriza a polarização direta) sua resistência é nula permitindo a circulação de corrente ânodo-cátodo sem apresentar perda de energia. Por outro lado, o diodo ideal quando polarizado reversamente tem um resistência infinita, o que impede a circulação de corrente e apresenta uma capacidade de bloquear uma tensão infinita [1]. Estas particularidades o assemelha a um interruptor de dois estados, sendo que o estado conduzindo corresponde a um curto-circuito e o estado bloqueado a um circuito aberto. Logo, idealmente, esse tipo de componente não dissipa potência, pois em condução a tensão sobre ele é nula e em bloqueio não existe corrente.
Figura 2. Característica tensão-corrente do diodo ideal.
Característica Estática do Diodo Real
Contudo, sabe-se que o comportamento do diodo ideal é impossível de se obter. Na prática, o diodo real quando em condução apresenta uma pequena queda de tensão (V(TO)) e possui uma pequena resistência série interna (rT). Quando bloqueado, o diodo real possui uma tensão reversa máxima (VRRM) a qual é capaz de suportar. Este comportamento é representado pelo circuito equivalente da Figura 3 e pela curva característica tensão vs corrente da Figura 4.
Figura 3. Circuito equivalente do diodo real.
Figura 4. Característica tensão-corrente do diodo real.
Observa-se pela curva da Figura 4 que, durante a polarização reversa do diodo, circula uma corrente de valor baixo, conhecida como corrente de fuga (IR). Salienta-se também que o diodo uma vez em condução só será bloqueado quando a corrente que circula por ele se anular.
Recuperação Reversa do Diodo
Após a corrente que circula pelo diodo decrescer até zero, durante o bloqueio, o mesmo continua conduzindo a corrente elétrica na direção oposta (cátodo – ânodo) devido a presença de uma pequena energia armazenada em sua junção PN. O tempo em que esta corrente reversa flui é chamado de tempo de recuperação reversa (trr).
O diodo apenas recupera sua capacidade de bloqueio quando a corrente de recuperação reversa retornar a zero. O tempo de recuperação reversa (trr) é definido como o tempo entre o instante em que a corrente IF se anula e o instante em que a corrente de recuperação reversa atingir novamente 25% do valor da corrente de pico reversa (IRM), conforme mostrado na Figura 5 [2].
Figura 5. Corrente do diodo durante o bloqueio.
Nota-se que o tempo de recuperação reversa é composto por duas parcelas, tempo tr e tri. O tempo tr é o tempo entre o instante em que a corrente IF se anula até IRM atingir seu valor de pico. Por outro lado, o tempo tri é o tempo em que a corrente IRM leva para diminuir até 25% do seu valor total. A área hachurada na Fig. 5 representa a energia armazenada (Qrr) na junção PN. Diante disso, o tempo de recuperação reversa e a corrente reversa de pico são dadas, respectivamente, por:
(1) |
(2) |
onde dIF/dt é a taxa de crescimento da corrente reversa.
Na eletrônica de potência é essencial conhecer os valores da corrente de pico reversa, tempo de recuperação reversa, entre outras características, para projetar os circuitos que empregam os diodos de potência. Normalmente, estes parâmetros são especificados no catálogo do próprio fabricante, tornando mais fácil a escolha do diodo.
Perdas no Diodo
Os diodos possuem basicamente dois tipos de perdas: perdas por condução e perdas por comutação. Quando o diodo encontra-se em condução, a potência que nele é perdida e convertida em calor por conta da resistência série interna (rT) é dada pela expressão (3).
(3) |
onde IDmed e IDef são os valores de corrente média e eficaz que circula pelo diodo, respectivamente. Em geral, os fabricantes não informam o valor da resistência interna rT e nem da tensão VTO. Contudo, é possível estimá-los através da curva que relaciona a corrente direta com a tensão direta. Veja no vídeo acima como calcular esses parâmetros.
As perdas por comutação do diodo são caracterizadas em duas partes: perdas durante a entrada em condução do diodo e perdas no bloqueio do diodo. Para que possamos entender melhor estas perdas, ilustra-se a entrada em condução de um diodo na Figura 6.
Figura 6. Corrente do diodo durante a entrada em condução.
Observa-se, que quando o diodo é comutado para entrar em condução, durante o período trf ocorre a presença simultânea de tensão e corrente no componente e, consequentemente, uma potência Pon é dissipada. Deste modo, baseando-se em [1], obtemos a seguinte expressão:
(4) |
onde Io é a corrente média que circula pelo diodo em condução, fs representa a frequência das comutações e VF é valor da queda de tensão do diodo em condução, conforme ilustrado na Figura 3. Os valores de VFP podem em alguns casos alcançar valores próximos de 40 V [1].
As perdas em bloqueio do diodo são calculadas da seguinte forma:
(5) |
em que E é a tensão aplicada no diodo após ser bloqueado. Assim como visto anteriormente, Qrr pode ser obtido por meio das Equações 1 e 2, ou até mesmo no datasheet do fabricante.
Cálculo Térmico
Posto isso, sabe-se que o diodo possui perdas em condução e comutação. Estas perdas são dissipadas em forma de calor, assim elevando a temperatura da junção PN, podendo provocar a falha do diodo. Para evitar isso, deve-se transferir o calor para o ambiente por meio de dissipadores térmicos.
Para o cálculo térmico dos dissipadores será considerado o diodo em regime permanente, cujo circuito térmico equivalente está representado na Figura 7.
Figura 7. Circuito térmico equivalente de um componente.
As grandezas representadas na Figura 7 são definidas da seguinte maneira:
- Tj – Temperatura da junção (°C);
- Tc – Temperatura da capsula (°C);
- Td – Temperatura do dissipador (°C);
- Ta – Temperatura do ambiente (°C);
- PD – Potência dissipada pelo diodo (W);
- Rjc – Resistência térmica entre a junção e a capsula do diodo (°C/W);
- Rcd – Resistência térmica entre a cápsula e o dissipador (°C/W);
- Rda – Resistência térmica entre o dissipador e o ambiente (°C/W);
- Rja – Resistência térmica entre a junção e o ambiente (°C/W).
Sendo assim, a relação entre as temperaturas de junção e ambiente pode ser expressa em função da sua resistência térmica junção-ambiente e a potência dissipada, segundo:
(6) |
A resistência térmica necessária entre dissipador-ambiente pode ser obtida analisando o circuito térmico da Figura 7 como se fosse um circuito elétrico. Deste modo, temos que Rda é expressa por:
(7) |
Já as resistências Rjc e Rcd são normalmente fornecidas pelo fabricante do diodo. Caso o valor de Rda encontrado não seja comercial, deve-se escolher um valor menor e mais próximo do calculado.
Se quiser saber mais sobre cálculo térmico e dissipadores de calor, não deixe de conferir este outro artigo do blog.
Exemplo de Projeto
Agora para deixar mais claro o entendimento de como dimensionar o dissipador para o diodo, bem como calcular as suas perdas propomos um projeto baseado nos valores obtidos no artigo sobre o conversor Buck.
- Modelo do diodo: MUR860 da Fairchild Semiconductor
- Tensão máxima sobre o diodo: E = 50 V
- Corrente média: IDmed = 3 A
- Corrente eficaz: IDef = 3,87 A
- Frequência de comutação: fs = 20 kHz
- Tempo de entrada em condução: trf = 50 ns
- Tensão de pico durante a entrada em condução: VFP = 40 V
- Temperatura ambiente: Ta= 50 °C
As características elétricas do diodo MUR860 são apresentadas na Tabela 1.
Parâmetro | Simbologia | Valor |
Tensão reversa máxima | VRRM | 400 V |
Corrente média | IFAV | 20 A |
Queda de tensão direta | V(TO) | 0,85 V |
Temperatura de junção máxima | Tj | 175 °C |
Resistência térmica junção-cápsula | Rjc | 2 K/W |
Resistência térmica cápsula-dissipador | Rcd | 1 K/W |
Queda de tensão total | VF | 1,5 V |
Energia de Recuperação Reversa | Qrr | 195 nC |
Tabela 1. Características elétricas do diodo MUR860.
Perdas por Condução:
Com base nas curvas disponibilizadas no datasheet do fabricante, é possível estimar a tensão e a resistência interna do diodo em questão, obtendo-se: rT = 0,085 Ω e VTO = 0,657 V. Assim,
Perdas por Entrada em Condução:
A queda de tensão sobre o diodo durante a condução é dada por: .
Perdas por Bloqueio:
Perda Total no Diodo:
Resistência Térmica Junção-Ambiente:
Para o dimensionamento do dissipador de potência, podemos considerar uma temperatura de junção máxima em torno de 80% do valor encontrado no datesheet, de modo que o componente não opere em seu limite.
Resistência Térmica Dissipador-Ambiente:
Após isso, precisamos escolher o dissipador a ser utilizado. Um bom catálogo que fornece as informações necessárias para o nosso exemplo é o da empresa HS Dissipadores. Baseado na resistência térmica que o dissipador precisa ter (Rda< 22,7 °C/W), escolheu-se o modelo HS 1509, cujas características são descritas a seguir:
- Resistência térmica dissipador-ambiente: 19,8 °C/W
- Perímetro: 78 mm
- Largura: 15 mm
Por fim, basta verificarmos se a temperatura de junção considerando o dissipador de potência ficou abaixo do limite máximo estabelecido. Para isso, utilizamos a seguinte equação:
Como o resultado obtido é inferior a 80% da temperatura de junção máxima suportada pelo componente, podemos concluir que o projeto está adequado.
E para esclarecer ainda mais esse conteúdo, o vídeo a seguir mostra dois exemplos numéricos utilizando simulações no software LTspice.
Conclusão
Este artigo teve como objetivo apresentar os aspectos gerais de um diodo aplicado a eletrônica de potência. Em resumo, abordamos desde as suas características construtivas até o projeto de dissipador, conforme exibido em um exemplo teórico.
Por enquanto é isso pessoal. Deixo-me à disposição de vocês para eventuais dúvidas e espero que tenham entendido o básico do diodo de potência. Em continuidade deste artigo, irei abordar outro semicondutor muito importante na eletrônica de potência, que é o MOSFET (Metal Oxide Semiconductor Field Effect Transistor). Aguardo vocês em meu próximo artigo e não deixem de ler os demais.
Referências
[1] Barbi, I. “Eletrônica de Potência”. 8ª Ed. Florianópolis, 2017.
[2] Bimbhra, P. S. “Power Electronics”. 3ª Ed. New Delhi, 2004.
[3] Mello, H. A. e Intrator, E. “Dispositivos Semicondutores”. 4ª Ed. Rio de Janeiro, 1980.
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About The Author
Leandro B. K. Fisch
Atualmente é mestrando em Engenharia Elétrica com ênfase em Eletrônica de Potência na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e é formado em Eletrotécnica com enfase em Automação Industrial, pelo SENAI José Oscar Salazar de Erechim-RS. Tem experiência e interesse nas áreas de eletrônica de potência, sistemas de controle, automação industrial e geração de energia, mais especificamente nos temas modelagem dinâmica de conversores CC-CC, geração de energias renováveis, veículos elétricos e sistema de carregamento de baterias.
Muito bom o artigo! Mais uma vez o blog servindo como referência para meus trabalhos acadêmicos.
Obrigado Mateo! Espero continuar contribuindo em sua jornada acadêmica. Abraço!
olá tenho um problema como faço pra achar a corrente de saturação onde a queda de tensão em um diodo de potencia e Vd = 1,2, e Id = 300A , suponho que n = 2 e VT = 25,8mv