Análise do Conversor Buck em Condução Descontínua
|Na primeira parte deste artigo apresentei a análise estática completa, isto é, a análise em regime permanente, do conversor Buck operando no modo de condução contínua (MCC). Com isso, obtivemos todas as equações necessárias para o dimensionamento dos principais elementos que compõem o circuito. Nesta segunda parte farei a mesma análise considerando, no entanto, o conversor Buck operando em condução descontínua (MCD).
Este modo de operação ocorre tipicamente em conversores com carga leve, pois pode provocar uma ondulação elevada na corrente do indutor fazendo-a se anular antes de iniciar um novo período de chaveamento.
Contudo, em algumas aplicações deseja-se operar em MCD propositalmente para reduzir o tamanho dos elementos magnéticos e, em grande parte, facilitar a estratégia de controle.
Princípio de Funcionamento do Conversor Buck em Condução Descontínua
No modo de condução descontínua em regime permanente, o conversor Buck é caracterizado por três etapas de funcionamento, representadas na Figura 1. Nota-se que as duas primeiras etapas são exatamente as mesmas descritas no artigo anterior, para o conversor operando em MCC. Mas por questão de didática irei repeti-las aqui.
Figura 1. Etapas de operação do conversor Buck operando em condução descontínua.
1ª Etapa:
Esta etapa se inicia no momento em que a chave S é comandada a conduzir, o que leva o diodo DRL ao bloqueio. Dessa forma, a fonte de entrada Vi passa a transferir energia para o indutor (iL cresce linearmente segundo a relação (Vi – Vo)/L) e para o capacitor (quando iL > Io). A etapa finaliza no momento em que a chave é comandada a bloquear.
2ª Etapa:
Quando S bloqueia, o diodo DRL entra naturalmente em condução fornecendo passagem à corrente do indutor. Com isso, a energia armazenada no indutor é, então, entregue ao capacitor e à carga (iL diminui segundo a relação –Vo/L).
Vale ressaltar que enquanto o valor instantâneo da corrente no indutor for maior que a corrente de carga, a diferença carrega o capacitor. Caso contrário, o capacitor se descarrega suprindo a diferença para manter a corrente de carga constante.
3ª Etapa:
Esta etapa tem início quando a corrente no indutor se anula [1]. Nesse instante, o diodo é bloqueado e a carga passa a receber energia apenas do capacitor Co.
Na Figura 2 estão representadas as principais formas de onda do conversor Buck em condução descontínua e em regime permanente. É importante destacar que D1 equivale ao próprio valor da razão cíclica (D) que tratamos nos últimos artigos, ou seja, representa o percentual do período em que a chave permanece conduzindo.
Figura 2. Principais formas de onda do conversor Buck em condução descontínua e em regime permanente.
Análise Matemática
Quando a chave está em condução o indutor fica conectado entre a fonte de alimentação de entrada e o capacitor de saída. Considerando a aproximação por baixa ondulação na tensão de saída, as expressões que definem a tensão no indutor (vL) e a corrente no capacitor (iC), nesse subintervalo, são dadas por (1) e (2), respectivamente.
Por questão de simplicidade preferi omitir a variável tempo, mas lembrem-se que as grandezas iniciadas em letra maiúscula são constantes, enquanto as grandezas iniciadas em letra minúscula variam no tempo, assim como definido neste outro artigo.
Durante a segunda etapa, um dos terminais do indutor é conectado ao terra do circuito, como se verifica na Figura 1-b. A tensão no indutor e a corrente no capacitor valem:
Na última etapa, por sua vez, a corrente no indutor se anula. Consequentemente, a tensão sobre este elemento e a corrente no capacitor são dadas por:
Ganho Estático do Conversor Buck em Condução Descontínua
Pelo princípio da conservação de energia, sabe-se que a tensão média sobre o indutor em regime permanente é nula, logo:
Assim,
Desse modo, para obtermos o ganho estático em MCD, precisamos conhecer o valor de D2, que define a duração da segunda etapa de operação. Para isso, vamos analisar a corrente no indutor, com base na ilustração da Figura 3.
Figura 3. Corrente no indutor no modo de condução descontínua.
O valor médio da corrente no indutor (IL(md)) pode ser calculado a partir da área sob a forma de onda em um período de chaveamento (Ts), dividida pelo próprio período, isto é:
em que ILp corresponde ao valor de pico da corrente, conforme ilustrado na Figura 3.
Conhecendo a expressão da tensão instantânea sobre o indutor na primeira etapa, pode-se encontrar facilmente a corrente instantânea, segundo
Analisando a Figura 3, conclui-se que a corrente de pico ocorre em t = D1.Ts, logo:
Além disso, como já sabemos, no conversor Buck o valor médio da corrente no indutor equivale ao valor médio da corrente de saída, o que permite escrever
Levando (11) em (12), chega-se em
Por fim, substituindo (13) em (8), encontra-se
para
Seja D1 a própria razão cíclica D, resolvendo a equação de segunda ordem acima e selecionando apenas a raiz positiva, define-se o ganho estático do conversor Buck operando em MCD, conforme [1]:
O que podemos concluir a partir de (15) é que, diferentemente do modo de condução contínua, em condução descontínua o ganho estático não depende somente da razão cíclica, mas também da frequência de operação, da indutância e da resistência de carga. Por este motivo, qualquer variação nesses parâmetros afeta diretamente a tensão de saída, o que torna absolutamente necessário realizar o seu controle em malha fechada.
Dimensionamento dos Elementos Passivos
Cálculo do Indutor
Neste modo de operação, o indutor é selecionado para ter um valor abaixo do máximo valor que garante descontinuidade da corrente. Esse valor é conhecido como indutância crítica (Lcr) e é calculado quando o intervalo D3.Ts = 0.
Isso significa que a corrente no indutor toca o zero, mas não permanece neste valor, o que caracteriza o modo de condução crítica [2]. A Figura 4 mostra a forma de onda da corrente no indutor nessa condição, cujo valor médio é calculado por
Figura 4. Corrente no indutor para a condição crítica.
Observa-se que neste caso a ondulação de corrente (ΔIL) também é equivalente à corrente de pico. Logo, uma vez conhecida a expressão da corrente de pico, pode-se escrever a seguinte relação:
Isolando L na expressão anterior, determina-se o valor da indutância crítica (Lcr) do sistema, segundo (18).
Desse modo, as seguintes equações podem ser estabelecidas:
Além disso, a Figura 4 sugere uma outra forma de encontrar o limite entre os modos de condução contínua e descontínua. Como podemos verificar em (17), a ondulação da corrente não varia com a carga, mas sim com a amplitude das tensões aplicadas.
Então, se aumentarmos Ro, a corrente de saída irá diminuir até o ponto em que ela se iguala a ΔIL/2, caracterizando a condução crítica. Se continuarmos aumentando a resistência de carga, o conversor entra no modo de condução descontínua.
Cabe destacar que quando a resistência de carga se eleva, a potência fica consideravelmente abaixo da nominal. É por isso que mencionei no inicio do artigo que esse tipo de operação ocorre normalmente com carga leve.
Com base no parágrafo anterior, pode-se dizer que as condições para operar em MCC ou MCD são as seguintes:
onde Io e ΔIL são obtidos assumindo que o conversor opera em MCC.
Então, para garantir a condução descontínua, deve-se garantir a relação (24) que foi obtida substituindo-se as expressões de Io e ΔIL em (23).
Assim,
ou ainda
onde e
Também é comum expressar o limite da descontinuidade em termos da resistência de carga Ro. Para isso, a equação (25) pode ser rearranjada resultando na seguinte relação:
em que .
Cálculo do Capacitor de Saída
Ao contrário do modo de condução contínua, no modo descontínuo existe uma ondulação expressiva na corrente do indutor. Considerando que o filtro LC de saída foi projetado corretamente, toda componente alternada de iL passará pelo capacitor, como mostrado na Figura 4.
Figura 4. Detalhes da corrente iC no capacitor.
Para aplicarmos o mesmo conceito apresentado na primeira parte desse artigo, no qual calculamos a variação da carga acumulada no capacitor – que se relaciona com a variação da tensão e com a capacitância – precisamos determinar o intervalo Tb – Ta. No entanto, essa análise tornaria o cálculo muito extenso e complexo.
Sendo assim, para facilitar, vamos fazer uma aproximação considerando a corrente no capacitor durante a primeira etapa, que é dada por (29). Convém ressaltar que esse método não é criterioso, mas atende as nossas necessidades.
Para a máxima variação da corrente, obtém-se:
Portanto, conclui-se que a expressão para o projeto do capacitor em função das ondulações de tensão sobre o mesmo e de corrente no indutor, é dada por
Dimensionamento dos Semicondutores de Potência
Tensão Máxima sobre a Chave e o Diodo
Conforme mostrado na Figura 2, a tensão máxima de bloqueio no diodo é igual à tensão de entrada. O mesmo se verifica para a chave, analisando-se a segunda etapa de operação. Dessa forma, podemos definir a seguinte relação:
Corrente Média e Eficaz na Chave
O cálculo dos valores médio e eficaz das correntes nos semicondutores de potência não pode ser feito considerando baixa ondulação, como fizemos no artigo passado, uma vez que a corrente em MCD apresenta ondulação elevada. Mas, sabendo que a corrente na chave é a mesma que a do indutor na primeira etapa e nula nas demais, podemos determinar o valor médio calculando a área sob a forma de onda durante a primeira etapa (vide Figura 3). Como resultado, obtém-se:
Substituindo o valor de ΔIL na expressão anterior, determina-se:
O cálculo da corrente eficaz não é tão direto, mas não deixa de ser simples. Inicialmente, precisamos encontrar a expressão da corrente instantânea na chave, que é a mesma do indutor na primeira etapa, ou seja:
Agora, basta aplicar a definição de valor eficaz e resolve-la como segue:
De maneira simplificada, podemos definir a corrente eficaz na chave segundo
Corrente Média e Eficaz no Diodo
A corrente no diodo, por sua vez, é idêntica à corrente no indutor durante a segunda etapa e igual a zero nas demais. Então, considerando a segunda etapa da forma de onda representada na Figura 3, define-se o valor médio da corrente no diodo conforme
Levando a expressão de D2 em (38), obtém-se
Analogamente ao cálculo da corrente eficaz na chave, precisamos obter a corrente instantânea no diodo, a qual corresponde à corrente instantânea no indutor durante a segunda etapa, isto é:
Aplicando a definição de valor eficaz, determina-se:
Corrente Máxima na Chave e no Diodo
Sabendo que a corrente que circula pela chave e pelo diodo é a mesma do indutor, durante as etapas de condução, então a corrente máxima nos semicondutores é igual a ILp. Essa expressão já foi determinada anteriormente em (11), mas está repetida em (42) por conveniência.
Com isso, a gente encerra a análise estática do conversor Buck operando em condução descontínua. Para reforçar o entendimento, apresento a seguir um exemplo de projeto e dimensionamento dos componentes para tal condição de operação.
Exemplo de Projeto
Para este exemplo vamos considerar os seguintes parâmetros de projeto:
Tensão de entrada: Vi = 50V
Tensão de saída: Vo = 20 V
Potência nominal: Po = 100 W
Frequência de chaveamento: fs = 20 kHz
Ondulação de tensão no capacitor: ΔVC = 1%
Cálculo da Indutância
O primeiro passo é determinar a indutância crítica. Para isso, vamos considerar inicialmente o conversor operando no modo de condução contínua, a fim de calcular a razão cíclica:
A resistência de carga é obtida com base nos parâmetros de projeto, resultando em
A partir da equação (18) é possível determinar a indutância crítica para o circuito, conforme
Assim, escolhendo um valor de indutância abaixo de 60 μH, garante-se a condução descontínua. Neste exemplo será adotado um valor de:
Para manter o ganho estático desejado, uma vez que este depende da indutância, é importante ajustá-lo para o novo valor de L. Dessa forma, isolando D de (15), obtém-se:
Definidos o valor da indutância e a razão cíclica de operação, é possível calcular a ondulação máxima da corrente no indutor, o que resulta em:
Cálculo do Capacitor de Saída:
Recorrendo à expressão (31), determina-se:
Corrente Média e Eficaz na Chave:
Corrente Média e Eficaz no Diodo:
Corrente de Pico na Chave e no Diodo:
Esforços de Tensão nos Semicondutores:
Conclusão
A partir da análise feita neste artigo, podemos constatar que no modo de condução descontínua o ganho estático do conversor Buck não depende somente da razão cíclica, mas também do valor da indutância, da carga e da frequência de operação. Além disso, como se verificou no exemplo de projeto, os esforços de corrente são muito maiores quando comparados ao modo de condução contínua. Por essa razão, esse modo de operação é utilizado apenas em aplicações de baixa potência.
Embora apresente esses inconvenientes, o modo de condução descontínua permite-nos obter uma indutância muito pequena, o que reduz significativamente o volume do conversor. Ademais, como veremos em artigos futuros, esse modo de operação reduz a ordem do conversor facilitando o projeto do controlador.
Bom, então é isso pessoal. Sei que o artigo ficou um pouco extenso, mas tenho certeza que irá ajudar muito vocês. Apesar da análise parecer complexa, uma vez obtidas as expressões para o dimensionamento do conversor, o resto fica fácil. Aguardo vocês no próximo artigo.
Referências
[1] ERICKSON, R. W.; MAKSIMOVIC, D. “Fundamentals of Power Electronics”. 2ª Ed. New York, 2004.
[2] MARTINS, D. C.; BARBI, I. “Conversores CC-CC Básicos Não Isolados”. 4ª Ed. Florianópolis, 2011.
Prezado Caio, inicialmente agradeço pela contribuição nesta publicação.
Mas gostaria de verificar com você o valor da razão cíclica no exemplo numérico onde o valor foi D =0,365.
você poderia explicar como chegou no resultado, pois seguindo as instruções o valor não é coincidente.
Olá, Alessandro.
Esse valor foi obtido isolando-se a razão cíclica da Equação 15. Você precisa calcular o fator K com base na indutância de 50uH.
Eu refiz aqui os cálculos e coincidiu.
A equação resultante vale: D = √(4K/[(2Vi/Vo – 1)^2 – 1])
Espero ter ajudado, abraço.
Grande Caio, agradeço pelo esclarecimento, identifique o meu equivoco na modelagem da equação, pois eu encontrava sempre D=0,28.
A título de curiosidade o seu fator k foi um valor muito pequeno, ou seja, 1,25 x 10^-9
Na modelagem de D= raiz (4k / [( 2 Vi / (Vo -1))^2 -1])
Você poderia confirmar apenas se o valor de k = 1,25×10^-9
Você chegou a desenvolver um artigo para o MCC e MCD para os conversores Boost e Buck-Boost?
O valor de K resultou em: K = 2*L*fs / Ro = 2*(50*10^-6)*20000/4 = 0,5
Jogando esse valor na expressão da razão cíclica: D = raiz(4K/[((2Vi/Vo) – 1)^2 – 1]) = raiz(4*0,5/[((2*50/20) – 1)^2 – 1]) = 0,365
Quanto aos outros artigos, ainda não escrevi. Mas pretendo fazer isso para todos os conversores básicos.
Bom dia.
Artigo muito interessante, porém na fórmula do K descrita no artigo não está batendo com a sua resposta nesse comentário.
Fórmula no artigo:
k = (2 * L) / (Ro * fs) = 1,25 * 10^-9
No seu comentario:
k = (2 * L* fs) / Ro = 0,5
Fala Caio
Nobre amigo, eu encontrei o meu erro na equação, obrigado
Referente aos demais fico no aguardo, pois você fez uma abordagem clássica quando comparado com os livros do prof Denizar e Ivo Barbi.
Obrigado pela atenção
Boa noite, você chegou a escrever os artigos sobre os outros conversores ?