Princípios Básicos para Análise de Conversores em Regime Permanente

No artigo anterior, eu fiz uma breve introdução aos conversores CC-CC não isolados e apresentei, ao final do texto, as seis principais topologias. Antes de iniciarmos um estudo mais aprofundado sobre essas topologias, precisamos entender alguns princípios básicos utilizados na análise de conversores em regime permanente. Também conhecida como análise estática, esse tipo de estudo permite obter as expressões necessárias para o dimensionamento dos indutores, capacitores e semicondutores de potência presentes em determinado conversor.

Alguns Conceitos Importantes para Análise de Conversores

Aproveitando o conversor chaveado básico introduzido no artigo anterior e repetido na Figura 1 por conveniência, sabemos que o processo de chaveamento gera uma tensão (vo) na saída com uma forma de onda retangular, como ilustrado na Figura 2. 

Circuito básico para análise de conversores chaveados.

Figura 1. Conversor chaveado básico.

Formas de onda para análise de conversores chaveados.

Figura 2. Formas de onda do sinal de comando s e da tensão de saída vo.

No decorrer do texto e nos próximos artigos trabalharemos com grandezas variáveis no tempo e com grandezas constantes. Então, para facilitar, vamos convencionar as grandezas iniciadas com letra minúscula como variáveis no tempo e as grandezas com letra maiúscula como constantes. Assim, escrever v ou v(t) é a mesma coisa. Essa convenção é útil para deixar o equacionamento mais limpo, principalmente quando lidamos com expressões muito extensas.

Dando sequência a análise, ao inserirmos um filtro LC passa-baixa na saída do conversor representado na Figura 1, conseguimos atenuar a componente alternada da tensão vo, entregando à carga apenas a componente contínua, ou seja, o seu valor médio. Para calcularmos este valor, utilizamos a definição de valor médio, que advém da análise de Fourier [1], e é dada por

V_o = \frac{1}{T}\int_{0}^{T}v_o(t)dt

Eq. (1)

onde T representa um período da forma de onda.

A partir da Eq. (1), podemos verificar que o valor médio é definido pela integral da forma de onda de interesse, durante um período de chaveamento (Ts), dividida pelo próprio período. A princípio, a presença da integral pode assustar, mas sabemos que ela nada mais é do que a área sob a forma de onda. Então, graficamente, podemos definir o valor médio como a área sob a curva no intervalo Ts, o que nos permite escrever:

V_o = \frac{1}{T_s}\cdot(D\cdot T_s\cdot V_i) = D\cdot V_i

Eq. (2)

Outro conceito importante é o de valor eficaz. Fisicamente, o valor eficaz de uma tensão (ou corrente) periódica equivale ao valor de uma tensão (ou corrente) contínua que libera a mesma potência média para um resistor [1].

Sendo assim, podemos definir a potência média absorvida pelo resistor no circuito CA segundo:

P = \frac{1}{T_s}\int_{0}^{T_s}R\cdot i(t)^2 dt = \frac{R}{T_s}\int_{0}^{T_s}i(t)^2 dt

Eq. (3)

enquanto a potência absorvida pelo resistor no circuito CC vale:

P = R\cdot I_{ef}^2

Eq. (4)

Igualando as equações (3) e (4), obtemos o valor eficaz da corrente (Ief), conforme:

I_{ef} = \sqrt{\frac{1}{T_s}\int_{0}^{T_s}i(t)^2dt}

Eq. (5)

Seguindo o mesmo princípio para a tensão, encontramos:

V_{ef} = \sqrt{\frac{1}{T_s}\int_{0}^{T_s}v(t)^2dt}

Eq. (6)

Isso indica que o valor eficaz é a raiz quadrada da média do quadrado do sinal periódico. Por isso, também é conhecido como raiz do valor médio quadrático (do inglês Root Mean Square), ou simplesmente valor RMS [1]. Em conversores de potência, esse conceito é utilizado no dimensionamento de indutores, capacitores e semicondutores de potência.

Considerações Iniciais para Análise de Conversores em Regime Permanente

Em geral, antes de iniciarmos a análise propriamente dita de um conversor, precisamos fazer algumas considerações a fim de simplificar os cálculos:

i. Todos os componentes são considerados ideais;

ii. O conversor opera em regime permanente;

iii. O capacitor de saída é considerado grande o suficiente para que seja ignorado a ondulação de tensão.

Na prática, a tensão sobre o capacitor consiste de uma componente CC (valor médio desejado) associada a uma ondulação CA de baixa amplitude (vripple), de acordo com:

v(t) = V + v_{ripple}(t)

Eq. (7)

Como a ondulação é muito menor em magnitude que o valor médio, podemos desconsiderá-la para simplificar a análise, o que resulta em:

v(t) \approx V

Eq. (8)

iv. A premissa anterior também pode ser adotada para a corrente no indutor, caso esta apresente baixa ondulação. Isto é,

i_L(t) = I + i_{ripple}(t) \approx I

Eq. (9)

Com base nessas considerações, os conversores CC-CC em geral possuem as seguintes propriedades [2]:

1. A corrente no indutor é periódica.

i_L(t + T) = i_L(t)

Eq. (10)

2. A tensão média no indutor é nula.

Uma vez que a corrente no indutor é periódica, a energia armazenada ao final de um período é a mesma do início. Logo, como não há transferência líquida de energia, conclui-se que a potência média absorvida por um indutor é zero para o funcionamento periódico em regime permanente.

Matematicamente falando, isso pode ser comprovado pela relação de tensão-corrente do indutor dada por

v_L(t) = L\cdot \frac{di_L(t)}{dt}

Eq. (11)

Isolando a corrente iL(t) e integrando ambos os lados para um período T, obtemos:

i_L(t_0 + T_s) - i_L(t_0) = \frac{1}{L}\int_{t_0}^{t_0+T_s}v_L(t)dt = 0

Eq. (12)

A Eq. (12) é nula devido à periodicidade da corrente no indutor. Assim, multiplicando ambos os lados por L/T, determinamos uma expressão equivalente para a tensão média no indutor, conforme 

\langle v_L(t)\rangle_{T_s} = \frac{1}{T_s}\int_{t_0}^{t_0+T_s}v_L(t)dt = 0

Eq. (13)

3. A corrente média no capacitor é nula.

Essa afirmação segue o mesmo princípio do item anterior. No caso do capacitor, se a ondulação de tensão sobre ele for periódica, a energia armazenada no final do período é a mesma do início. Portanto, a potência média absorvida pelo capacitor é nula.

Da relação tensão-corrente para o capacitor, obtém-se a expressão para a corrente média:

\langle i_C(t)\rangle_{T_s} = \frac{1}{T_s}\int_{t_0}^{t_0+T_s}i_C(t)dt = 0

Eq. (14)

Finalmente,

4. A potência fornecida pela fonte é igual à potência de carga.

P_i = P_o    para um conversor ideal

P_i = P_o + P_{perdas}   para um conversor não ideal

Conclusão

Neste artigo foram apresentados alguns princípios importantes para a análise de conversores chaveados em regime permanente. O fato do valor médio da tensão no indutor e do valor médio da corrente no capacitor serem nulos em regime permanente permite-nos obter as expressões para a corrente no indutor e para tensão no capacitor, bem como o ganho estático de um dado conversor. Além disso, como veremos no próximo artigo, a aproximação por baixa ondulação possibilita dimensionar os valores dos elementos do filtro de uma maneira muito simples. 

Referências

[1] ALEXANDER, C. K.; SADIKU, M. N. O. “Fundamentos dos Circuitos Elétricos”. 5ª Edição, AMGH Editora Ltda. Porto Alegre – RS, 2013.

[2] HART, D. W. “Eletrônica de Potência: Análise e Projetos de Circuitos”. 1ª Ed, AMGH Editora Ltda. Porto Alegre, 2012.

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