Dissipador De Calor – O Guia Completo

Conforme discutido em artigos passados, os semicondutores de potência apresentam perdas por condução e comutação, as quais são dissipadas em forma de calor sobre o componente (efeito Joule). Isso, por sua vez, provoca um aumento na temperatura da pastilha semicondutora, podendo levar o dispositivo à destruição caso o limite máximo de operação seja ultrapassado.

Em razão disso, o dissipador de calor surge como um elemento fundamental no projeto de conversores eletrônicos. Para quem nunca ouviu falar, um dissipador de calor é um dispositivo mecânico (ver Figura 1) conectado ao corpo do semicondutor e que fornece um caminho eficiente para transferir o calor interno do componente para o ambiente. Se não for empregado o dissipador, todo o calor será transferido do encapsulamento para o ar. Logo, o dissipador de calor faz diminuir a temperatura de junção e, consequentemente, evita a queima do semicondutor por sobreaquecimento.

Alguns exemplos de dissipadores de calor.
Figura 1. Alguns exemplos de dissipadores de calor.

Neste artigo eu vou te ensinar a dimensionar um dissipador de calor em apenas três passos. Mas não será apenas isso. Também vou te mostrar como são feitos os cálculos para aplicações que utilizam vários componentes em um mesmo dissipador. E ainda, vou te ensinar a melhorar a transferência de calor dos dissipadores através de ventoinhas de resfriamento (os famosos coolers). Gostou desse conteúdo? Então fique comigo até o final.

Circuito Térmico em Regime Permanente

Em geral, um semicondutor de potência é formado por um encapsulamento (também denominado de invólucro, ou case em inglês), pelos terminais de contato e pela junção. A junção nada mais é do que a pastilha de silício onde é fabricada o componente em si.

Devido às diferenças de temperatura entre a junção, o encapsulamento e o próprio ambiente, surge uma transferência de calor que circula no sentido junção – ambiente, ou seja, da região mais quente para a mais fria. Entretanto, como a área de contato do componente com o ar é relativamente pequena, tal transferência é muito ineficiente. Por isso, em muitos casos, é necessário adicionar o dissipador de calor para aumentar essa área de contato e melhorar a transferência de calor.

A Figura 2(a) ilustra a conexão de um componente genérico a um dissipador de calor. Nessa configuração, o calor é transferido da junção para o dissipador por condução e do dissipador para o ambiente por convecção natural. Observa-se na Figura 2(b) que o circuito térmico equivalente pode ser representado por meio das resistências térmicas e das temperaturas envolvidas no sistema. Tais resistências surgem devido às diferenças de materiais e às conexões mecânicas não ideais, dificultando a transferência de calor entre a junção e o ambiente. Vale destacar ainda que esse modelo só é válido para regime permanente, quando as temperaturas já atingiram o equilíbrio.

conjunto componente mais dissipador de calor.
Figura 2. Esquemas: (a) conjunto componente mais dissipador de calor e (b) circuito térmico equivalente.

Na figura acima, temos as seguintes grandezas:

  • Tj – Temperatura de junção (°C);
  • Tc – Temperatura do encapsulamento (°C);
  • Td – Temperatura do dissipador (°C);
  • Ta – Temperatura do ambiente (°C);
  • PT – Potência dissipada no componente (W);
  • Rjc – Resistência térmica entre junção e encapsulamento (°C/W);
  • Rcd – Resistência térmica entre encapsulamento e dissipador (°C/W);
  • Rda – Resistência térmica entre dissipador e ambiente (°C/W);
  • Rca – Resistência térmica entre encapsulamento e ambiente (°C/W);
  • Rja – Resistência térmica total entre junção e ambiente (°C/W);

A solução para o circuito térmico da Figura 2(b) é muito semelhante a de um simples circuito elétrico e à lei de Ohm. A unidade de calor que corresponde à tensão V é a diferença de temperaturas (T2T1) através do elemento. A unidade de fluxo térmico que corresponde à corrente elétrica I é o fluxo de calor PT (potência dissipada no componente). Assim, pelo conceito da lei de Ohm, a resistência térmica é obtida por:

R_t = \frac{T_2 - T_1}{P_T} (1)

Quando não utilizamos o dissipador, o calor circula da junção para o ambiente através do encapsulamento. Nesse caso, o circuito térmico se resume apenas à resistência Rjc em série com Rca, sendo estes parâmetros encontrados no datasheet do componente. Com base nisso, podemos descrever o circuito térmico equivalente sem o dissipador, da seguinte forma:

T_j - T_a = (R_{jc}+R_{ca})\cdot P_T = R_{ja}\cdot P_T (2)

Uma maneira de verificar se o componente irá precisar do dissipador de calor é estimando a temperatura de junção para a aplicação em específico. Uma vez que os fabricantes já disponibilizam o valor da resistência entre junção e ambiente (Rja) desconsiderando o dissipador, basta isolarmos a temperatura Tj da equação (2), obtendo

T_j = R_{ja}\cdot P_T + T_a (3)

onde a temperatura ambiente, Ta, pode ser escolhida entre 35°C e 45°C para aplicações em ambientes ventilados, ou entre 50°C e 60°C para aplicações onde o componente irá operar dentro de um gabinete ou próximo de outros equipamentos que geram calor.

Dimensionamento do Dissipador de Calor

O uso do dissipador de calor insere uma baixa resistência térmica em paralelo com a resistência Rca do componente, como ilustrado na Figura 2(b). Tal associação permite reduzir a resistência equivalente entre encapsulamento e ambiente e, assim, reduzir as temperaturas da cápsula e da junção. Eventualmente se omite o valor da resistência térmica entre encapsulamento e ambiente caso seu valor seja elevado comparado à resistência térmica do dissipador [1], o que normalmente é. Porém, mesmo que não seja, podemos omiti-la para simplificar os cálculos e ainda garantir um projeto mais conservador e seguro, já que o dissipador ficará levemente sobredimensionado.

Assim, é válido escrever que

T_{j,max} = (R_{jc} + R_{cd} + R_{da})\cdot P_T + T_a (4)

Ao isolar Rda da equação acima, definimos a expressão que permite calcular a resistência térmica máxima do dissipador de calor:

R_{da}\leq\frac{T_{j,max}-T_a}{P_T} - R_{jc}-R_{cd} (5)

DICA: É interessante considerar uma temperatura de junção igual a 80% do valor fornecido pelo fabricante, de modo a estabelecer uma margem de segurança.

Se o valor encontrado acima não for comercial, devemos escolher um valor menor e mais próximo do calculado (um bom catalogo para isso é o da empresa HS Dissipadores). Cabe salientar que o valor da resistência Rjc é fornecido no datasheet do componente. Já o valor da resistência Rcd, também conhecida como resistência de interface, vai depender do material utilizado para separar o encapsulamento do dissipador de calor. A Tabela 1 mostra uma relação de materiais típicos, com suas respectivas resistências térmicas, para diferentes formatos de encapsulamento.  

E para ficar mais claro tudo isso, o vídeo a seguir mostra um exemplo numérico utilizando simulações no software LTspice.

Um Dissipador de Calor para vários Componentes?

Resfriar vários componentes com um único dissipador de calor é uma opção atraente, pois reduz o número de peças, pode reduzir o tamanho da placa de circuito impresso, sem contar que um dissipador maior pode ser termicamente vantajoso.  Apesar dessas vantagens, o projeto do dissipador de calor e a fixação dos componentes se tornam mais desafiadores.

Quanto ao projeto, podemos considerar a princípio que cada componente possui o seu próprio circuito térmico, conforme ilustrado na Figura 3.

Circuitos térmicos individuais para cada componente.
Figura 3. Circuitos térmicos individuais para cada componente.

Em seguida, independentemente da potência que é dissipada em cada componente, vamos imaginar que as áreas dos dissipadores individuais são variadas até que se obtenha um equilíbrio térmico, isto é, até que a seguinte condição seja satisfeita: Td1 = Td2 = … = Tn = Td. Assim, uma vez que as diferenças de temperatura entre os dissipadores e o ambiente são idênticas, podemos conectar os circuitos conforme demonstrado na Figura 4 e considerar uma resistência térmica equivalente entre dissipador-ambiente (Rda,eq).

Circuito térmico equivalente para n componentes em um único dissipador de calor.
Figura 4. Circuito térmico equivalente para n componentes em um único dissipador de calor.

Desse modo, é válido concluir que

T_d - T_a = (P_1 + P_2 + \cdots + P_n)\cdot R_{da,eq} (6)

Na prática, todavia, cada componente pode contribuir de forma diferente para o aumento da temperatura do dissipador; e como eles estarão compartilhando o mesmo dissipador, também irão compartilhar a máxima temperatura gerada entre eles. Logo, é importante conhecer a temperatura que cada componente provocaria no dissipador, utilizando a seguinte expressão

T_{d,i} = T_{j,i} - (R_{jc,i}+R_{cd,i})\cdot P_i (7)

onde Rjc,i e Rcd,i são as resistências térmicas, Pi é a potência dissipada e Tj,i é a máxima temperatura de junção para determinado componente.

A fim de evitar que um dado componente opere com uma temperatura acima de seu limite, iremos adotar o valor mínimo (Td,min) encontrado a partir da equação anterior. Assim, temos que

T_{d,min} - T_a= R_{da,eq}\cdot \sum_{i=1}^{n} P_i (8)

E, finalmente:

R_{da,eq}= (T_{d,min} - T_a)/\sum_{i=1}^{n} P_i (9)

É claro que procedendo dessa maneira, alguns componentes poderão operar com bastante folga, enquanto outros irão operar próximos da temperatura máxima estabelecida. Mas não há nenhum inconveniente sério quanto a isso. Ademais, é interessante observar pela equação (9) que quanto menor Td,min, menor será Rda,eq e, consequentemente, maior será a área necessária para o dissipador.

Ainda ficou com dúvidas? Então experimente assistir o vídeo abaixo. Nele eu mostro como dimensionar um dissipador de calor para dois transistores MOSFETs, utilizando um conversor Buck síncrono como exemplo.

E que tal diminuir o dissipador de calor?

A abordagem feita até então, referente ao cálculo térmico do dissipador de calor, considera situações de resfriamento por convecção natural. No entanto, quando a dissipação total de potência é da ordem de 300 W ou mais, torna-se prático o emprego de processos não naturais, como ventilação forçada e resfriamento através da circulação de líquidos [2,3].

O papel desses componentes adicionais é reduzir o valor efetivo da resistência térmica do dissipador, melhorando assim a transferência de calor. Como essa redução permite que se obtenha o mesmo valor efetivo de resistência térmica com dissipadores menores, esses sistemas também são muito empregados quando se deseja reduzir o volume dos dissipadores e aumentar a densidade de potência dos conversores. É importante destacar, todavia, que esses processos são mais caros e a falha do dispositivo de refrigeração certamente levará o equipamento à destruição [2]. Por conta disso, a utilização desses sistemas auxiliares deve estar associada a um forte esquema de segurança e proteção do equipamento.

Uso de Ventilação Forçada

A Figura 5 exemplifica a aplicação de uma ventoinha de resfriamento, onde é possível observar que a resistência térmica do dissipador reduz a medida que a velocidade de deslocamento do ar em m/s aumenta. Mais especificamente, o eixo das ordenadas na Figura 5(b) representa o fator pelo qual a resistência térmica do dissipador, resfriada por convecção natural, deve ser multiplicada. Sendo assim, um dissipador de calor com uma resistência térmica Rda = 6,0 °C/W, terá esta mesma resistência reduzida para Rda = 6,0 ∙ 0,38 = 2,28 °C/W, caso utilize uma ventilação forçada com deslocamento do ar de 4 m/s.

Uso de ventoinha de resfriamento para melhorar a transferência de calor.
Figura 5. Uso de ventoinha de resfriamento para melhorar a transferência de calor: (a) exemplo de aplicação e (b) curva característica que relaciona o fator multiplicativo da resistência térmica do dissipador com a velocidade de deslocamento do ar em m/s [1].

O projeto de uma ventoinha de resfriamento requer o conhecimento da máxima temperatura de junção, do calor que será gerado dentro do equipamento e, por fim, do fluxo de ar necessário para reduzir a temperatura. Com base nesses parâmetros e nas curvas fornecidas pelos fabricantes, é possível selecionar a ventoinha que melhor atende nossos requisitos. Contudo, para não estender demasiadamente este artigo, vou preparar um texto exclusivo com exemplos de projetos envolvendo ventoinhas de resfriamento. Então, se você quer aprender mais sobre esse assunto, fique atento aos próximos artigos.

Uso de Circulação Forçada de Líquidos

Outra possibilidade para reduzir a resistência térmica dissipador-ambiente é por meio da circulação forçada de líquidos. Os dissipadores refrigerados através desse método são tipicamente empregados em conversores de alta potência, na faixa de centenas de kW [2]. De modo geral, utiliza-se placas metálicas de cobre ou alumínio, por onde circula o líquido refrigerante em dutos ocos soldados às placas, conforme ilustra a Figura 6.

Exemplo de um dissipador de calor refrigerado através da circulação forçada de líquido.
Figura 6. Exemplo de um dissipador de calor refrigerado através da circulação forçada de líquido.

O líquido mais utilizado nesses casos é a própria água, tendo em vista seu bom desempenho em termos de densidade, viscosidade, condutividade térmica e calor específico [2]. Para aplicações de longa duração, é preferível utilizar água destilada ou deionizada, a fim de prevenir a corrosão e sedimentação dos dutos. Além disso, se a temperatura esperada puder superar o ponto de ebulição ou cair abaixo do ponto de solidificação, deve-se adicionar outro líquido à água como o “ethylene glycol”, o que também previne a corrosão dos dutos [1].

O cálculo de sistemas de refrigeração baseados em circulação forçada de líquidos é relativamente complexo e foge do escopo deste artigo. Mas caso você tenha interesse, uma análise mais detalhada pode ser consultada em [4, 5].

Resumão

Para sintetizar todo o conteúdo apresentado até aqui, podemos dividir os procedimentos de cálculo para o projeto de um dissipador individual, resfriado por convecção natural, em apenas três passos:

  • PASSO 1: Calcular a potência que será dissipada no componente. Isso vai depender da aplicação e do tipo de componente a ser usado. Nos artigos sobre Diodo de Potência e Transistor MOSFET, você vai encontrar os cálculos necessários para esses dois tipos de semicondutores.
  • PASSO 2: Estimar a temperatura de junção a partir da equação (3) e verificar se é necessário utilizar um dissipador de potência. Para isso, precisamos consultar o datasheet do componente em questão e verificar qual é a máxima temperatura de junção e a resistência térmica junção-ambiente.
  • PASSO 3: Em caso afirmativo, calcular a resistência térmica necessária para o dissipador seguindo a equação (5). Se o valor obtido não for comercial, devemos adotar o menor valor mais próximo do calculado.

Além desses passos, é importante para o projetista adotar alguns critérios de projeto, que são estabelecidos em função da experiência do profissional. Na referência [2], o autor recomenta as seguintes sugestões para quem está iniciando nesta área da Eletrônica de Potência:

  1. Definir a temperatura de junção na ordem de 80% da temperatura máxima fornecida no catálogo dos fabricantes.
  2. Nas situações em que a temperatura ambiente não é conhecida, adotar um valor entre 35°C e 45°C. Caso o componente se encontre dentro de um gabinete ou próximo de outros equipamentos que geram calor, adotar uma temperatura na faixa de 50°C a 60°C.
  3. Deve-se sempre verificar a necessidade de isolamento elétrico (através de mica, teflon ou poliéster) e considerar suas resistências térmicas.
  4. O emprego da pasta térmica é sempre recomendado e sua resistência térmica deve ser considerada.
  5. Sempre que possível, os dissipadores devem ser montados na vertical para permitir a passagem do ar com maior eficácia.
  6. Escolher, quando possível, dissipadores de alumínio com camada anodizada de óxido escuro, os quais reduzem em até 25% a resistência térmica.

Existindo a necessidade de fixar vários componentes em um mesmo dissipador de calor, precisamos calcular inicialmente as temperaturas que cada componente provocaria no dissipador, por meio da equação (8). Em seguida, adotamos o menor valor obtido e calculamos a resistência térmica do dissipador final, usando a equação (9) como base.

Em ambos os casos precisamos consultar os catálogos dos fabricantes para encontrar o melhor dissipador que atenda nosso projeto. Mas e se nós já tivermos alguns dissipadores em mãos? Será que podemos utilizá-los? No próximo artigo sobre esse assunto, irei ensinar a estimar a resistência térmica de um dissipador de calor na prática, para verificarmos se ele irá atender nossas necessidades.

Referências

[1] J. A. Pomilio. “Dimensionamento de Sistemas de Dissipação de Calor para Dispositivos Semicondutores de Potência”. Eletrônica de Potência – Capítulo 11, DSCE-FEEC-UNICAMP, 2009.

[2] D. C. Martins. “Transistores de Potência”. Edição do autor, Florianópolis, fevereiro de 2018.

[3] E. N. Lurch. “Fundamentos de Eletrônica – Parte II”. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1984.

[4] S. D. Steinberg. “Cooling techniques for electronic equipment.” 2. ed. Nova York: John Wiley & Sons, Inc., 1991.

[5] Semikron. “Estimation of Liquid Cooled Heat Sink Performance at Different Operation Conditions”. Application Note AN1501.

[6] M. A. G. Ribeiro, A. Péres e S. V. G. Oliveira. “Sistema de Refrigeração de Semicondutores a Água: Análise e Comparação com o Uso de Dissipadores de Alumínio e Ventilação Forçada.” IX Seminário de Eletrônica de Potência e Controle, 2015.

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