Análise do Conversor Buck em Condução Contínua
|Nos artigos anteriores foram apresentados aspectos gerais dos conversores estáticos (ou chaveados), onde demonstrei os tipos de conversores quanto a relação entrada-saída e, posteriormente, tratei especificamente dos conversores CC-CC não isolados. Além disso, apresentei no último artigo os princípios básicos para análise de conversores em regime permanente. Com toda essa bagagem já somos capazes de analisar conversores específicos. Sendo assim, vamos começar pelo clássico conversor CC-CC Buck.
- Princípio de Funcionamento
- Modo de Operação
- Equacionamento para o Modo de Condução Contínua (MCC)
- Exemplo de Projeto
- Conclusão
- Referências
Princípio de Funcionamento
A estrutura do conversor Buck está representada na Figura 1. Como já se sabe, a chave S pode assumir dois estados: conduzindo ou bloqueado. Dessa forma, a tensão de entrada (Vi) é recortada pela chave, mas, por ação do filtro LC de saída, a tensão Vo é considerada praticamente constante.
Figura 1. Estrutura do conversor Buck.
No momento em que a chave é comandada a conduzir, o diodo fica reversamente polarizado, e a fonte passa a transferir energia para o indutor (iL cresce) e para o capacitor (quando iL > Io).
Quanto S bloqueia, o diodo DRL entra naturalmente em condução fornecendo passagem à corrente do indutor. Com isso, a energia armazenada no indutor é, então, entregue ao capacitor e à carga (iL diminui).
Vale ressaltar que enquanto o valor instantâneo da corrente no indutor for maior que a corrente de carga, a diferença carrega o capacitor. Caso contrário, o capacitor se descarrega suprindo a diferença para manter a corrente de carga constante.
Modo de Operação
Com base no item anterior, observa-se que a corrente no indutor apresenta um ondulação característica, ora cresce (chave em condução) ora decresce (chave bloqueada). Se esta corrente não vai a zero durante a condução do diodo, diz-se que o circuito opera no modo de condução contínua (MCC). Caso contrário, tem-se o modo de condução descontínua (MCD) [2]. Para facilitar o entendimento, a Figura 2 mostra as formas de onda típicas de ambos os modos de operação. Nota-se que no modo de condução descontínua surge uma terceira etapa, na qual a chave e o diodo permanecem bloqueados. Nesta etapa, tanto a corrente quanto a tensão no indutor são nulas.
Figura 2. Formas de onda típicas do modos de operação em MCC e MCD.
Definidos o princípio de funcionamento e o conceito do modo de operação, vamos dar início a análise quantitativa do conversor. A fim de não estender muito o artigo, deixaremos o modo de condução descontínua para a segunda parte.
Equacionamento para o Modo de Condução Contínua (MCC)
A operação em MCC resulta em duas etapas de funcionamento, que estão representadas pelos circuitos equivalentes da Figura 3. Seja D a razão cíclica e Ts o período de chaveamento, a primeira etapa tem duração de tc = D.Ts e a segunda de ta = (1 – D).Ts.
Figura 3. Etapas de operação: (a) primeira etapa e (b) segunda etapa.
Quando a chave está em condução o indutor fica conectado entre a fonte de alimentação de entrada e o capacitor de saída. Considerando a aproximação por baixa ondulação, a tensão no indutor e a corrente no capacitor neste subintervalo são dadas por:
Durante a segunda etapa, um dos terminais do indutor é conectado ao terra do circuito, como se verifica na Figura 3. A tensão no indutor e a corrente no capacitor valem:
Ganho Estático do Conversor
Pelo princípio da conservação de energia, sabe-se que a tensão média sobre o indutor em regime permanente é nula, logo:
Assim,
A Eq. (6) representa o ganho estático do conversor, tal e qual foi apresentado inicialmente no artigo introdutório aos conversores CC-CC não isolados.
Sendo o conversor ideal, então a potência de entrada é igual a de saída. Isto é,
Logo,
Desse modo, conclui-se que a relação entre a corrente de saída e a corrente de entrada é inversa, quando comparada à relação das tensões (ganho estático). Isto faz sentido devido à conservação de energia no sistema, que faz com que a potência de saída seja igual a de entrada. Portanto, se a tensão é menor na saída, a corrente deverá ser maior para manter a potência constante.
Dimensionamento dos Elementos Passivos
O próximo passo, para finalizar a análise em MCC, é obter as expressões para o dimensionamento dos elementos do circuito. Vamos iniciar pelo indutor, aproveitando a sua forma de onda de corrente ilustrada na Figura 2, e repetida na Figura 4 por conveniência.
Figura 4. Forma de onda da corrente no indutor.
Projeto do Indutor
Durante a primeira etapa de operação, sabe-se que a tensão no indutor vale:
Sendo assim, a expressão no tempo que descreve a corrente é dada pela Eq. (10), onde Im representa a corrente mínima.
Com base na Figura 4, observa-se que a corrente máxima (IM) ocorre em t = D.Ts. Logo,
Seja a ondulação de corrente (ΔIL) dada pela diferença entre a corrente máxima e a corrente mínima, podemos escrever a seguinte relação:
Por fim, isolando L na expressão anterior, obtém-se a Eq. (13) que permite determinar o valor do indutor para uma dada ondulação de corrente.
Convém salientar que no conversor Buck a corrente média no indutor é igual à corrente média de saída. Além disso, no modo de condução contínua, podemos considerar a aproximação por baixa ondulação na corrente, o que permite aproximar o valor eficaz pelo próprio valor médio.
Projeto do Capacitor
O uso da aproximação por baixa ondulação na tensão facilita a análise do circuito, mas dificulta o projeto do capacitor no caso dos conversores que possuem um filtro LC de saída. O problema é que a corrente que circula no capacitor é unicamente a componente CA da corrente no indutor, logo não é possível negligenciar a ondulação desta corrente para o projeto do mesmo [3].
Na verdade, sabe-se que a corrente no indutor é composta de um valor médio IL(md), mais um ondulação linear, cujo valor de pico-pico vale ΔIL. O valor médio é entregue totalmente à carga, enquanto que a ondulação se divide entre o capacitor e a carga. Entretanto, se o capacitor for bem projetado, de modo que sua impedância na frequência de chaveamento seja muito menor que a impedância da carga, pode-se considerar que a ondulação da corrente no indutor passa apenas pelo capacitor (e é isso que vamos considerar). Sendo assim, a Figura 5 ilustra as formas de onda da tensão e corrente no capacitor de saída do conversor Buck.
Figura 5. Formas de onda de corrente e ondulação de tensão no capacitor.
Observa-se que quando a corrente no capacitor é positiva, o capacitor é carregado e sua tensão cresce do mínimo até o máximo. Esta variação na tensão pode ser relacionada à variação da carga acumulada, segundo a Eq. (14).
Ao mesmo tempo, pode-se definir a carga como a integral da corrente no tempo, que neste caso equivale à área destacada na Figura 5. Ou seja,
Levando-se a equação (14) em (15), obtém-se:
Finalmente, substituindo ΔIL pela Eq. (12) e realizando algumas manipulações, define-se a expressão da capacitância necessária em termos da ondulação de tensão especificada.
Dimensionamento dos Semicondutores de Potência
O projeto dos semicondutores, sejam eles chaves (normalmente MOSFETs ou IGBTs) ou diodos, é outro passo importante para garantir um bom funcionamento do conversor. Como veremos em artigos específicos sobre estes elementos, os parâmetros mais importantes a serem obtidos são: a máxima tensão e a máxima corrente que eles devem suportar, a corrente média no caso dos diodos ou IGBTs, e a corrente eficaz no caso dos MOSFETs. Estes últimos parâmetros são necessários para o cálculo das perdas por condução.
Tensão Máxima sobre a Chave e o Diodo
A tensão máxima sobre a chave é determinada quando esta se encontra bloqueada durante a segunda etapa, e corresponde ao valor da fonte de alimentação, como se pode verificar pelo circuito equivalente da Figura 3. A análise para o diodo resulta no mesmo valor. Então, pode-se escrever a seguinte relação.
Corrente Média e Eficaz na Chave
Para o cálculo dos valores médio e eficaz da corrente na chave, vamos considerar a aproximação por baixa ondulação, conforme ilustrado na Figura 6.
Figura 6. Corrente no interruptor considerando baixa ondulação na corrente do indutor.
Sedo assim, o valor médio da corrente vale:
E o valor eficaz:
Corrente Média e Eficaz no Diodo
Analogamente, obtém-se a expressão para o valor médio da corrente no diodo, conforme a Eq. (21).
E para a corrente eficaz:
Corrente Máxima na Chave e no Diodo
A consideração feita para os cálculos dos valores médios e eficazes das correntes nos semicondutores mantém uma boa aproximação com o valor real, no entanto, para calcular o valor máximo das correntes vamos considerar a ondulação da corrente no indutor. Dessa forma, pela análise da forma de onda da Figura 4, obtém-se facilmente o valor de pico da corrente no indutor, que equivale ao valor de pico da corrente no interruptor e no diodo. Este valor é dado por:
Sendo assim, finalizamos a análise do conversor Buck em regime permanente, operando no modo de condução contínua. Com as expressões obtidas é possível projetar perfeitamente este tipo de conversor, como veremos no exemplo a seguir. Mas antes vou deixar um vídeo que gravei para o canal, no qual abordei toda a teoria apresentada até então, incluindo um exemplo de simulação no software LTspice. Acredito que isso possa te ajudar a fixar melhor o conteúdo.
Exemplo de Projeto
Vamos considerar os seguintes parâmetros de projeto:
Tensão de entrada: Vi = 50 V
Tensão de saída: Vo = 20 V
Potência nominal: Po = 100 W
Frequência de chaveamento: fs = 20 kHz
Ondulação de corrente no indutor: ΔIL = 10%
Ondulação de tensão no capacitor: ΔVC = 1%
Cálculo da Razão Cíclica:
Corrente de Saída:
Resistência de Carga:
Cálculo do Indutor:
Cálculo do Capacitor:
Corrente média e eficaz na chave:
Corrente média no diodo:
Corrente de pico na chave e no diodo:
Esforços de Tensão:
Conclusão
Este artigo se propôs a apresentar os aspectos qualitativos e quantitativos do conversor CC-CC Buck operando em MCC e em regime permanente. Para entendermos melhor a aplicação das expressões obtidas, apresentei ao final do artigo um exemplo prático de como utilizá-las para selecionar todos os componentes do conversor Buck. Em artigos futuros irei ensinar como projetar fisicamente o indutor, o capacitor, e como calcular as perdas nos semicondutores visando o dimensionamento do dissipador.
Então é isso pessoal. Qualquer dúvida fico a disposição para responder nos comentários. Só para adiantar, na segunda parte deste artigo irei realizar todas as análises pertinentes ao modo de condução descontínua.
Referências
[1] HART, D. W. “Eletrônica de Potência: Análise e Projetos de Circuitos”. 1ª Edição, AMGH Editora Ltda. Porto Alegre, 2012.
[2] POMILIO, J. A. “Topologias Básicas de Conversores CC-CC”. [online]. Disponível em: <http://www.dsce.fee.unicamp.br/~antenor/pdffiles/it744/cap3.pdf>.
[3] ERICKSON, R. W.; MAKSIMOVIC, D. “Fundamentals of Power Electronics”. 2ª Ed. New York, 2004.
O Texto foi muito útil.
Obrigado
Que bom gostou Marco, qualquer dúvida estamos à disposição. Abraço
gratos pelo artigo sr Caio Morais, gostava que me ajudasse numa ideia. existe possibilidade de construir um conversor cc-cc elevador-abaixador respectivamente. comecanndo por um boost e em seguida um buck
mais uma vez os meus cumprimentos sr Morais, a minha peocupacao e que gostaria de saber se e possível construir o conversor cc-cc elevador e abaixador respectivamente tipo boost-buck. normalmente tenho visto sempre começando com o buck e depois o boost
Olá Anselmo, existem diferentes conversores com a capacidade de abaixar e elevar a tensão de entrada. O mais básico deles é o conversor Buck-Boost. Outros mais complexos são o Cuk, o SEPIC e o Zeta. Também existem estruturas isoladas que possuem essa capacidade, como o conversor DAB, por exemplo. Futuramente, pretendo abordar tais conversores no blog. Mas, por enquanto, está meio corrido pra mim – até te peço desculpa pela demora em responder haha
Bom dia!
Estou com pedido para carregar duas bateiras em serie sendo q me pediram para baixar dos 24v para 12 ou 28 para 14 se usado para manter o center das duas bateira com carga pois tera que suprir um inversor de 12v sendo que na configuraçao alternador envia carga para bateria de 24v no consumo partido do centro como + nao havera carga.
para manter o inversor.
Boa noite, tenho uma dúvida.
Qual a relação do valor do indutor com a transferência de energia?
Por exemplo: Se o indutor tem um valor pequeno, acontece a máxima transferência de energia?
E outra dúvida, em relação aos modos de condução, qual a relação com os tamanho dos valores do indutor?
Exemplo: Indutor com valor alto o conversor vai estar operando no MCD?
Olá, Marcelo. Tudo bem?
A energia armazenada em um indutor é diretamente proporcional ao valor da indutância, então, quanto maior o indutor mais energia ele vai conseguir armazenar em seu campo magnético.
Mas se formos falar do conversor num todo, o valor do indutor não está diretamente relacionado à transferência de energia. Podemos ter dois conversores Buck processando a mesma quantidade de energia, porém com valores de indutância diferentes.
No conversor Buck, o indutor e o capacitor atuam como um filtro passa-baixa, a fim de reduzir a ondulação presente na tensão de saída devido ao chaveamento em alta frequência.
O modo de operação do conversor pode ser identificado pelo aspecto da corrente que circula pelo indutor. Se ela não tocar o zero durante a operação em regime permanente, então o conversor está operando em condução contínua. Agora, se a corrente ficar um tempo em zero dentro de um período de chaveamento, significa que o conversor está no modo de condução descontínua (MCD).
Levando em conta que quanto maior for o valor do indutor, mais ele vai “segurar” a variação na corrente, já que vai demorar mais tempo para liberar energia dentro de um período de chaveamento, é válido considerar que no modo de condução contínua os indutores são consideravelmente maiores do que em condução descontínua, para uma mesma potência.
Ficou claro? haha Bom, espero ter te ajudado
Aah, eu escrevi um artigo sobre o modo de condução descontínua também. Confere lá depois, acho que vai complementar essa questão 😬
Muito bom, parabéns ótimo domínio do assunto
olá amigo estou perte do finalizar meu conversor buck só falta definir a bitola do fio do indutor; sei que tenho que calcular a secção do efeito pelicular como posso chegar a um valor da bitola do fio que vou enrolar no meu tiroide?
Olá Cristovão, pela minha demora em responder, acredito que você já tenha finalizado seu conversor hahah mas vou deixar aqui algumas dicas.
A bitola do seu condutor deve ser definida, inicialmente, pelo valor médio da corrente que vai circular pelo indutor. Você também precisa da densidade de corrente do cobre, que normalmente escolhemos um valor entre 350A/cm² e 400A/cm². Dividindo a sua corrente pela densidade escolhida, você já obtém a bitola em cm².
Já o efeito pelicular é mais predominante em conversores que apresentam uma ondulação de corrente muito grande, sendo mais característico em transformadores. No caso de um conversor buck operando em condução contínua, o nível CC da corrente no indutor é muito superior à ondulação em alta frequência (geralmente projetada para ficar entre 10 e 20% do valor CC). Então, o efeito pelicular pode ser desprezado, já que a maior parte da seção transversal do condutor será “preenchida” pelo nível CC.
Mas, caso queira considerar, não tem problema. Vou deixar uma link abaixo que pode te ajudar nisso.
https://www.instagram.com/p/CA6A3GoBM0z/
boa tarde, tem um texto para conversor boost?
Ainda não, Rafael. Mas pretendo fazer em breve.
Boa tarde!
Gostaria de saber qual referencia foi utilizada para pegar a equação do capacitor Eq. 16.
Gostei muito do seu conteúdo sobre Conversores de Corrente Contínua